O conceito de vida familiar na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem face a turismo reprodutivo e maternidade de substituição

(A propósito da decisão do Tribunal Pleno de 24 de Janeiro de 2017, Paradiso et Campanelli c. Italie, Queixa n.º 25358/12)

Resumo: a autora parte do caso Paradiso et Campanelli c. Italie, apreciado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: uma criança nasce, por maternidade de substituição, fora do país de origem do casal contratante, sem material genético de nenhum dos comitentes. Por não ser filha biológica dos comitentes da gestação de substituição e ter sido rejeitada à nascença pela gestante, foi considerada em “estado de abandono”. Em torno deste caso, discute-se o conceito de maternidade de substituição, que a autora não considera desenhado no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, perante os fenómenos do turismo reprodutivo e da maternidade de substituição. Analisa-se a decisão do tribunal pleno quanto ao referido conceito (nas dimensões de vida privada e de vida familiar) e realça-se o paradoxo da separação imposta, em nome do superior interesse da criança, entre esta e as pessoas que cuidavam de si e a amavam. Apresenta-se uma reflexão crítica quanto a aspetos relevantes que podem ter ficado na sombra da decisão (impossibilidade do conhecimento das origens; reconhecimento do direito à continuação das relações afectivas; validade e efeitos do acordo relativo à maternidade de substituição). Questiona-se o caso do ponto de vista da criança e da sua eventual vontade (ou direito?) ao conhecimento da própria história pessoal e à relação com as pessoas que modelaram esse trajecto, comparando os interesses da criança e da mãe. Por fim, apresenta-se o problema do indesejável tratamento discriminatório em razão do género e em razão da idade a que os regimes jurídicos podem conduzir nesta matéria, procurando um equilíbrio entre o ímpeto familiarista e o respeito pelos direitos humanos, em tema jurídico, pessoal, familiar e social particularmente sensível.

 

Palavras-chave: Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; Convenção Europeia dos Direitos do Homem; maternidade de substituição; turismo reprodutivo; direitos fundamentais; princípio da igualdade; superior interesse da criança.