1. No ano em que se assinalam quatro décadas sobre a entrada em vigor da Constituição de 1976, a revista JULGAR edita um número inteiramente dedicado à análise, divulgação e debate de temas relacionados com a evolução da Lei Fundamental e a sua contínua eficácia referencial na modelação do sistema da administração da justiça e na aplicação do direito ao caso concreto.
Assim, a par de uma discussão centrada na projeção dos efeitos da Constituição de 1976 nas questões do género, mais especificamente no ingresso e progressão nas carreiras das magistraturas e no nível de concretização que é possível reconhecer hoje ao processo de feminização do sistema de justiça, o caderno JULGAR dá primazia a questões relacionadas com a justiça constitucional e, sem prescindir de uma análise, tanto retrospectiva como prospectiva, sobre a evolução do sistema de justiça quanto à organização dos tribunais, formação de magistrados, justiça criminal, modelos de gestão e cooperação cívica com as instâncias formais de controlo à luz das exigências colocadas pela lei fundamental, lança uma reflexão em torno dos valores identitários permanentes da Constituição Portuguesa no contexto de um Estado de Direito baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. Para além de promover um estudo sobre o sistema português de controlo da constitucionalidade na tentativa de, através da sua confrontação com modelos alternativos – nomeadamente com o sistema da suspensão prejudicial e do reenvio para o Tribunal Constitucional, conjugado ou não com um recurso de amparo ou semelhante —,responder à questão de saber se o mesmo garante o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva também no plano da constitucionalidade, o caderno JULGAR inclui ainda uma análise, à luz da jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, dos mais relevantes reflexos das várias vertentes do direito fundamental de acesso à justiça, em especial no âmbito do processo civil, onde se incluem a garantia da via judiciária, os princípios da igualdade das partes e do contraditório e da proibição da indefesa, bem a regra do processo equitativo, assegurados no artigo art. 20.º da Lei Fundamental.
2. No caderno DEBATER, mantém-se a primazia das questões com incidência constitucional, propondo-se uma reflexão sobre temas tão diversos como o princípio da necessidade da pena no juízo de constitucionalidade — em especial para questionar a necessidade de reconstrução daquele princípio, de lógica liberal, sob o impulso da expansão do Direito Penal e do consequente alargamento dos bens e interesses que alcançam dignidade penal —, a definição do estatuto constitucional dos portadores de anomalia psíquica à luz do tradicional modelo médico ou reabilitador, por oposição aos novos modelos jurídicos, mais inclusivos, desenvolvidos sob a égide da Convenção dos Direitos das Pessoas Deficientes, e, por último, a vinculação do juiz ordinário à Constituição e as dimensões em que pode manifestar-se, para além das tradicionalmente representadas pela faculdade de desaplicação de normas inconstitucionais nos feitos julgados e aplicabilidade directa das normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias.
3. Sob a mesma heterogeneidade temática, o caderno DIVULGAR ocupa-se, por último, de matérias como o direito ao asilo, constitucionalizado sob a forma de direito fundamental e procurado caracterizar quanto ao seu conteúdo e traços essenciais, os direitos fundamentais sociais, perspectivados a partir do seu papel no século XXI, em particular no contexto de crise económico-financeira dos últimos anos e da fiscalização pelo Tribunal Constitucional das normas nesse âmbito editadas, e, finalmente, o instituto do “habeas corpus”, de invulgar relevância fundante e hoje recorrentemente revisitado a propósito dos fenómenos das migrações, do terrorismo e da criminalidade violenta transnacional.
José Tomé Carvalho
Joana Costa