Dedicatória
Este número 40 da Revista Julgar, que se ocupa do Novo Direito Patrimonial da Família, foi concebido, por quem o coordenou e por quem nele escreveu, verdadeiramente, como um número especial, por ser dedicado ao Senhor Prof. Doutor Guilherme de Oliveira. A vontade – uma vontade que tem sido partilhada com Rosa Cândido Martins – de dedicar um corpo de textos ao Senhor Doutor Guilherme de Oliveira vem de longe e, assim que surgiu a oportunidade de organizar uma publicação focada no Direito da Família, foi minha intenção imediata unir os textos naquele propósito comum. Agradeço, portanto, à Revista Julgar a forma como acolheu tal proposta.
Este não é, todavia, uma tradicional obra de homenagem; é um número dedicado. Foi organizado tendo em vista um tema, com autores convidados justamente segundo um critério “temático” – pretendi que figurassem trabalhos daqueles que mais se dedicam às matérias do Novo Direito Patrimonial da Família. Seria injusto crismá-lo de volume de homenagem – para o homenageado e para todos (tantos) outros que o pretendessem homenagear e que veriam essa possibilidade restringida pelas limitações que a imposição temática estrita e a diminuta extensão de páginas que o número desta publicação periódica exige.
De facto, face a esta oportunidade, todos os autores convidados reagiram com verdadeiro entusiasmo por poderem escrever sobre Direito Patrimonial da Família para o Senhor Doutor Guilherme de Oliveira. O denominador comum deste entusiasmo poderá encontrar-se, sem dúvida, na dívida científica que os cultores desta área do Direito têm para com o Professor e investigador que é o Senhor Doutor Guilherme de Oliveira, alguém que sempre se dedicou com uma visão ímpar a olhar – e a perceber muito antes de serem palpáveis – as transformações da família e o papel que o Direito tem a pensá-las e que o verteu na sua obra. Mas este é apenas o chão de onde brotam todas as facetas da sua singular figura científica, como orientador presente de tantos trabalhos académicos, mobilizador de uma comunidade de investigação – nacional e internacional – em torno do Centro de Direito da Família, dinamizador de publicações dedicadas a este ramo do Direito, autor material de relevantíssimas reformas legislativas. O Senhor Doutor Guilherme de Oliveira tem sido um exemplo de virtudes académicas, de uma curiosidade, abertura e respeito pelo pensamento diferente invulgares, que marcou e continua a marcar uma comunidade alargada de investigadores.
É, portanto, de forma reconhecida que lhe deixamos este presente.
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Apresentação do tema
Um volume dedicado ao Direito Patrimonial da Família apelidando-o de “novo” não seria a escolha mais evidente para quem estivesse apenas atento aos movimentos epidérmicos do Direito da Família. Na verdade, tem sido a vertente pessoal do Direito da Família aquela que recebe a visível atenção do legislador, que a tem reconfigurado em função do que entende ser o novo contexto social em que se move e que reclama esta remodelação. Todavia, olhar para a dimensão pessoal da família sem considerar as suas implicações patrimoniais significará, as mais das vezes, ignorar a forma como as relações familiares se desenvolvem, as marcas que deixam e os meios de garantir que os valores que devem presidir à sua realização são respeitados, quer enquanto vigoram, quer quando se extinguem. Daí que os movimentos do Direito da Família tenham provocado modificações do Direito Patrimonial integradas em reformas mais centradas no âmbito pessoal, mas também convocado outras leituras de institutos bem enraizados à luz das exigências do “novo” Direito da Família ou dos problemas que a realidade que vivemos nos coloca.
Por esta razão, o presente número da Revista Julgar debruça-se sobre uma variedade de temas que testemunham estes apelos.
Encontraremos nele o protagonismo crescente da expressão da autonomia dos cônjuges pela via das convenções quer quando conformam os efeitos patrimoniais do divórcio, quer quando as utilizam numa ótica de planeamento sucessório.
Perceberemos que a nossa inserção num mundo em que as relações de família transfronteiriças assumem uma relevância acrescida nos exige que qualifiquemos institutos de difícil apreensão, como a renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário, ou que determinemos as implicações que o reconhecimento e execução das decisões de declaração de nulidade ou de dispensa do casamento católico (concordatário), envolvendo cidadãos de diferentes Estados-Membros da União Europeia, têm, nomeadamente do ponto de vista patrimonial.
Será dirigido o foco para bens que assumem um papel particular no contexto familiar, seja a casa de morada de família, relativamente à qual urge clarificar o regime da atribuição judicial provisória do direito de a utilizar, seja para uma categoria com um estatuto novo, o animal de companhia, que assume agora uma posição autónoma no âmbito da dissolução do casamento por divórcio.
O funcionamento dos regimes de bens, alicerce do estatuto patrimonial dos cônjuges, será também objeto da nossa atenção. Serão escrutinadas as verdadeiras implicações da mais recente jurisprudência uniformizadora relativa às exigências para a sub-rogação real indireta dos bens próprios no regime da comunhão adquiridos, mas também analisada a possibilidade de partilha parcial de parcela respeitante à indemnização por cessação de contrato de trabalho de um dos ex-cônjuges, em caso de divórcio por mútuo consentimento convolado. E é também o divórcio, com o seu regime atualizado, que servirá de mote à recompreensão dos alimentos entre ex-cônjuges, cujas verdadeiras finalidades serão averiguadas.
Por fim, o “novo” Direito Patrimonial da Família olhará para aqueles sujeitos que tradicionalmente apenas se podiam encontrar nas sua franjas, mas que, no contexto atual assumem relevância crescente: os membros da união de facto, cujo regime patrimonial se procurar definir, e os adultos com capacidade diminuída, cujo estatuto foi objeto de recente alteração.
É com profunda gratidão que me dirijo aos Autores que permitiram construir este número que acredito que honra a Revista Julgar e que será de grande proveito para os seus leitores.
Paula Távora Vítor