APRESENTAÇÃO
1. Apresenta-se uma nova revista jurídica no espectro editorial português: JULGAR.
Como decorre do seu estatuto editorial, JULGAR é uma revista propriedade da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que visa contribuir para a discussão da problemática da aplicação do direito e da jurisdição.
Vale a pena começar por dizer que se debateu, no âmbito do processo de nascimento da revista, se a mesma deveria ter um sub título — revista da jurisdição. Num processo de escolha democrático optou-se pela eliminação do sub título, não sem que à sua génese e ao seu objectivo esteja ligada a jurisdição.
A juris dictio, como acção de dizer o direito, está inevitavelmente ligada ao imperium, como poder que pertence ao juiz de concretizar e fazer aplicar esse direito.
Um conceito amplo, aberto e operativo de jurisdição pode encerrar toda a organização que envolve a solução de conflitos concretos de interesses ou litígios através de um órgão supra partes (o tribunal) estranho aos interesses em causa e com autoridade sobre os titulares deste (cfr. Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4.ª edição, Coimbra, 2005). É evidente que uma tão larga designação incorpora um vasto e difuso campo de intervenção onde se enquadram problemas tão díspares como o papel e o estatuto dos juízes, a orgânica judiciária, as reforma legislativas que atingem os tribunais, a deontologia profissional de quem aí exerce funções, as várias dimensões que assume a resolução de litígios, a interpretação e a argumentação jurídica, a compreensão do direito e da decisão, a linguagem jurídica, a avaliação ou acountability, entre muitos outros temas.
Vale a pena, também, atentar no que tem sido o debate jurisprudencial sobre o que se entende por jurisdição, permanentemente suscitado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a propósito do disposto no artigo 6.o , § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O papel desempenhado por aquele Tribunal, na configuração do que é um tribunal independente, imparcial, estabelecido pela lei que decida sobre a determinação dos direitos do cidadão não pode, hoje, ser omitido numa discussão séria sobre o que é a jurisdição numa sociedade global.
Numa abordagem mais cirúrgica e porventura mais incisiva a essência da jurisdição encontra-se afinal na procura do «justo», nas suas várias dimensões.
Há, no entanto, uma ideia transversal a todos os problemas que podem identificar-se no âmbito da jurisdição. Trata-se da garantia dos direitos fundamentais do cidadão, que são afinal a sua razão de ser. Socorrendo-nos de RICOUER, «é como cidadãos que nos tornamos humanos. A aspiração a viver em instituições justas não significa outra coisa» (Le juste, Paris, 1995).
A revista JULGAR, tendo como destinatários todos os profissionais do direito, assume editorialmente, como escopo primeiro a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.
O debate sobre a jurisdição assumiu nos últimos anos do século passado e, sobretudo nos primeiros anos deste novo século, um interesse e uma inequívoca centralidade. Dir-se-ia que se assistiu a uma espécie de dessacralização de algo que, por pouco discutido e conhecido, era de alguma forma temido e por isso não questionado.
No panorama nacional a teoria da jurisdição dá alguns, pequenos, passos. Alguns estudos universitários, alguns encontros profissionais e, sobretudo, esparsos estudos publicados em revistas jurídicas têm contribuído para um debate que vem sendo efectuado de uma forma ocasional e sobretudo com uma manifesta falta de presença sistemática dos juízes.
Porque, vale a pena salientar, são os juízes que assumem o papel fundamental, na jurisdição.
É neste debate que pretendemos intervir. Não podem os juízes deixar de contribuir para um aprofundamento do seu próprio papel numa sociedade democrática onde a justiça assume um papel insubstituível. Mas, por isso mesmo, exigente em toda a sua configuração prática. Daí uma intervenção activa no debate de ideias que sustenta um sistema de justiça num Estado Democrático estruturado na separação de poderes, defendendo a independência dos Tribunais e dos juízes como pilar inalienável dessa estrutura. Assim o dizemos no estatuto editorial. Assim o estamos a concretizar neste primeiro número.
2. JULGAR, DEBATER, DIVULGAR são os três cadernos em que se estrutura a revista.
No propósito de densificação do que é e deve ser o papel do juiz no século XXI três autores que dispensam apresentações traçam um quadro de grande modernidade sobre o cerne da jurisdição que se pretende. Num outro registo suscita-se um verdadeiro debate, dogmático e contraditório e sobre o papel que cabe ao juiz num processo civil do século XXI. É este o caderno JULGAR.
Em cada número a revista debaterá um tema através de intervenções plurais, diversificadas e sobretudo que não fujam à polémica. A reforma do sistema penal, dir-se-ia em «todo o seu esplendor», é de um dos desafios maiores que se suscita neste momento na sociedade portuguesa. Porque são os direitos fundamentais do cidadão que estão em causa. Para além de todas as divergências e dúvidas é essa preocupação de cidadania que se pretende acautelar nas intervenções do caderno DEBATER.
Os problemas concretos suscitados aos juízes, no seu exercício diário e o seu tratamento dogmático são hoje uma questão fundamental a quem exerce a jurisdição. De igual modo a importância da justiça nas sociedades contemporâneas pode rever-se na concretização de alguns acordos político- -partidários sobre as reformas necessárias ao sistema de justiça. Vale a pena DIVULGAR o seu conteúdo.
É este o primeiro número da JULGAR.
José Mouraz Lopes