A revista Julgar, dedicada ao estudo, divulgação e aperfeiçoamento das Ciências Jurídicas, completará, neste ano de 2017, dez anos de existência.
Surge hoje consolidada no panorama editorial português como uma revista jurídica prestigiada, acarinhada pela generalidade dos juristas, profusamente citada e elogiada nos meios judiciários e académicos. Pese o percalço difícil com a insolvência da Editora que colaborou connosco desde o primeiro número, foi lograda uma solução estável e duradoura relativamente à revista em papel, muito por força da disponibilidade da ASJP e da imediata recetividade e colaboração de uma empresa editorial com o reconhecido prestigio da Editora Almedina.
Sempre que endereçamos convites aos mais reputados académicos, titulares de funções executivas ou legislativas, advogados, magistrados do Ministério Público ou juízes de qualquer uma das instâncias para colaborar connosco, obviamente a título gracioso, a resposta é, invariavelmente, a mesma: um entusiasmado sim.
Na nossa plataforma digital – julgar.pt – projeto que cresceu exponencialmente nos anos recentes, é longa a lista de espera de textos a aguardar a avaliação, sempre exigente, do respetivo Conselho Editorial. Os artigos nela publicados, numa cadência imparável e com os autores mais diversos, desde jovens juristas a académicos, ou magistrados, há muito consagrados, revestem-se de flagrante interesse e atualidade, apresentando elevada craveira técnica.
As razões deste nosso êxito são diversas. A qualidade dos autores que colaboram connosco. A adesão dos muitos leitores que constituem o nosso mais precioso ativo. Mas também o apoio incondicional e permanente da Direção da ASJP, desta como das anteriores, que, embora proprietária da revista, nunca se imiscuiu na gestão ou política editorial.
Finalmente, impõe-se sublinhar a importância dos membros das Comissões de Redação, quer da Julgar em papel quer da Julgar digital: sem o seu esforço de muitas horas de trabalho, anónimo e desinteressado, a revista nunca poderia existir. A gestão das duas revistas, em papel e digital, constitui hoje uma tarefa diária, implicando um esforço exigente e continuado.
Leonard Cohen, poeta para todas as idades, proclamava que quem casa com uma geração sempre acorda viúvo na geração seguinte.
Rompendo com essa inevitabilidade, a Julgar decidiu renovar o seu corpo redatorial optando por um Diretor e um Diretor-Adjunto provindos de uma jovem geração de juízes que milita na primeira instância. Porque é na primeira instância que, a par do intenso volume de trabalho, comum a todas as instâncias, se concentra a maioria dos nossos juízes e é deles que depende a capacidade para dirimir, num primeiro embate, as novas e complexas questões jurídicas que, numa sociedade em mudança, irrompem indomáveis.
É, pois, o tempo certo para que as novas gerações de juízes assumam os destinos do projeto Julgar em cumplicidade, natural e óbvia, com os colegas mais velhos que, a débito dos dias que, perigosamente, se subtraem, mantêm o crédito de uma experiência maior e mais vivida.
Já como antigo Diretor, finalizo com um breve apontamento pessoal apenas para agradecer a oportunidade que me foi conferida de contribuir para uma missão que, unindo os juízes, constitui motivo de orgulho para todos.
Albert Einstein proclamava, com graça, nunca pensar no futuro pois que ele não tarda a chegar; mas será com uma expectativa feliz que a Julgar o pode antecipar.
José Igreja Matos
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«Apresenta-se uma nova revista jurídica no espectro editorial português: Julgar.» Assim proclamou o primeiro Diretor, José Mouraz Lopes, abrindo o número inaugural à curiosidade dos seus leitores, em 2007.
Acompanhei de perto metade destes dez anos, integrando Conselho de Redação a partir do número 16, precisamente o primeiro de 2012, que organizei com o Paulo Ramos de Faria. Mantendo uma cadência certa, coube-me, por feliz coincidência, organizar este número 30, que marca o décimo aniversário de publicação e é, também, o primeiro em que assumo as funções de Diretor.
Manter o ritmo de uma revista jurídica em papel é, hoje, um desafio constantemente renovado, superando-se, a cada quatro meses, pela conjugação do apoio da ASJP, do trabalho profissional da editora, do esforço conjunto da equipa de juízes que tiram do seu tempo para o oferecer à Julgar, da generosidade de quem entrega os textos para publicação e, claro está, do interesse de quem lê, sem o qual nada faria sentido. A indisponibilidade da empresa editora que acompanhou a revista até ao seu número 27 ditou um atraso (inevitável) de quatro meses na publicação, cuja recuperação se inicia agora, lançando o último número de 2016 já no início de 2017 e retomando a ordem normal ao longo deste ano. Ombreando no retrato de família com a Julgar em papel, vai crescendo a sua irmã online, com artigos e dinâmica só seus e um espírito comum.
Uma revista que, pela sua natureza, dá atenção às leis não poderia subtrair-se a uma das mais elementares leis da vida: a da mudança. O início das novas funções insere-se, pois, num saudável ciclo natural. É reconfortante verificar que, neste primeiro passo, recebo uma casa arrumada, o que devo a todos os que trabalharam na revista até agora, com destaque para os dois primeiros Diretores, e às sucessivas direções da ASJP, assumindo agora a grave e difícil responsabilidade de conservar a obra e fazer o possível para frutificá-la. Os frutos serão de todos.
A Julgar sempre soube funcionar de forma independente e imparcial, uma marca identitária dos juízes. Por isso, creio, os juízes se reveem nela: um projeto de juízes, continuado por juízes, mas aberto a todos os juristas, em sucessivos diálogos escritos que nos trazem oxigénio e luz.
Aqui chegado, permitam-me, então, começar explicando o que vos traz o trigésimo número desta revista.
O estatuto dos juízes (não apenas o diploma “Estatuto dos Magistrados Judiciais”, mas também, numa aceção mais ampla, o conjunto dos respetivos direitos e deveres) sempre foi tema de debate. No entanto, é hoje um motivo de discussão mais acesa, não só porque se prepararam projetos de alteração legislativa, mas também porque, um pouco por todo o mundo, se viveram acontecimentos que testaram, colocaram em tensão ou puseram em causa o papel e a posição jurídica e social dos juízes. Fiel à sua tradição, a revista quis dar o mote para a discussão de alguns aspetos desse imenso regime que se tece à volta da função jurisdicional e da figura do julgador. A resposta dos autores ao desafio foi muito positiva e permitiu preencher este número quase integralmente com assuntos de natureza estatutária.
Maria dos Prazeres Beleza escreve sobre o regime de impugnação das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça, com foco em duas das questões mais complexas: a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça e a limitação do controlo sobre o erro de facto alegado pelo recorrente. Ainda no mesmo alinhamento, João Paulo Vasconcelos Raposo comenta o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 21/06/2016, no qual que se discutiu o âmbito e a extensão da impugnação das deliberações do Conselho Superior da Magistratura em matéria disciplinar. Neste comentário, faz a ponte para as orientações internacionais sobre a disciplina dos juízes e traça perspetivas de evolução do regime. Rui Patrício ocupa-se da imparcialidade do juiz, projetando este princípio fundamental sobre as práticas adotadas em processo penal e as normas deste ramo do direito, para concluir que nem sempre a imparcialidade (na vertente objetiva e, por vezes, na subjetiva) consegue sair ilesa da dinâmica processual.
Christophe Régnard partilha connosco a sua experiência de uma década na União Internacional de Magistrados e na Associação Europeia de Juízes, apresentando um retrato transversal da situação de facto, da evolução recente e das perspetivas de futuro do estatuto legal dos magistrados judiciais em França, na Europa e no mundo, desde as melhores experiências aos mais preocupantes retrocessos. Benjamim Barbosa traz-nos a visão da jurisdição administrativa e fiscal, mostrando o que a aproxima da jurisdição comum e aquilo é próprio da primeira, para terminar questionando os motivos pelos quais, apesar das diferenças, as duas magistraturas não se regem por um estatuto comum. Nuno Coelho percorre, com grande detalhe, as principais linhas por que tem passado a discussão sobre as alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, sem deixar de notar os pontos que devem sair da sombra ou merecer maior destaque, incluindo a independência económica e financeira. Filipe César Vilarinho Marques analisa o debate recente quanto à definição de regras comuns sobre o Poder Judicial no espaço da União Europeia, concentrando seis pontos que se mostram essenciais nessa matéria.
Do outro lado do Atlântico, Walter Rocha Barone envia-nos uma síntese do regime estatutário brasileiro, incluindo as garantias, as incompatibilidades, o ingresso e a evolução na carreira dos juízes, a sua proteção constitucional e a autonomia do poder judicial. Por fim, Marcos Gonçalves expõe dúvidas e apresenta soluções sobre o procedimento relativo à formação e ao funcionamento do tribunal do júri, sem deixar de fora o seu enquadramento na nova orgânica judiciária, matéria pouco visitada e de grande interesse prático, merecendo, por isso, particular atenção.
É rico o património adquirido da Julgar.
Na trigésima revista, procurou-se honrar o seu percurso de diálogo vivo, esperando que seja recebida com o mesmo espírito e idêntico resultado.
Nuno de Lemos Jorge