Nas últimas décadas, o fenómeno da internacionalização do direito da família e das crianças obrigou os Estados a procurar ultrapassar a descontinuidade espacial das situações jurídico-familiares plurilocalizadas, mercê de um Mundo em transformação acelerada e de uma globalização que dificulta o domínio dos territórios e da soberania.
As sociedades contemporâneas são hoje caracterizadas pela multiculturalidade, justificando o uso crescente de mecanismos eficazes de cooperação judiciária internacional, a par das especiais responsabilidades atribuídas aos tribunais de, perante um conflito familiar plurilocalizado, gerir não apenas esse conflito e as emoções subjacentes, mas também o tempo e as questões jurídicas em presença.
A plurilocalização de uma situação familiar torna mais difícil e complexa essa tarefa, desde logo, em relação a uma questão que tem justificado uma das maiores preocupações da comunidade internacional: a deslocação e a retenção ilícitas de crianças e a obrigação dos Estados de promover o direito à reunião familiar em caso de separação dos pais, exceto se isso for contrário ao superior interesse da criança.
Tendo presentes todas estas preocupações, no caderno JULGAR, abrimos com um texto em que, considerando os problemas colocados pela plurilocalização da intervenção judicial, é feita uma análise da competência internacional em matéria de responsabilidades parentais, a cargo de António José Fialho, Juiz de Direito e representante de Portugal na Rede Internacional de Juízes da Haia, numa tentativa para densificar, a partir da jurisprudência europeia e nacional, o conceito de residência habitual da criança enquanto pressuposto essencial de atribuição da competência.
A análise de alguns aspetos processuais ou substantivos da providência tutelar cível de regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida é abordada por Gonçalo de Oliveira Magalhães, Juiz de Direito, tendo por referência a Convenção da Haia de 1980 e o Regulamento (CE) n.º 2001/2003.
De igual modo, o processo de revisão em curso do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 merece uma especial referência e análise, a cargo de Anabela Susana de Sousa Gonçalves, Professora Auxiliar na Escola de Direito da Universidade do Minho.
A análise e o debate de tais questões não poderiam deixar de tocar a formação dos magistrados, bem como a especificidade e visão multidisciplinar que são exigidas por todas estas problemáticas, tarefa assumida por Maria Gomes Perquilhas, Juíza Desembargadora e ex-Docente no Centro de Estudos Judiciários.
Em DEBATER, Francisco Javier Forcada Miranda, Magistrado na Audiência Provincial de Madrid, traz-nos a sua experiência de diversos anos enquanto representante de Espanha na Rede Internacional de Juízes da Haia e na IberRede, explicando as recentes alterações na lei espanhola e as questões colocadas pela apreciação das exceções que podem justificar uma decisão de recusa de regresso, em especial, perante a eventual verificação de um risco grave ou situação intolerável e a apreciação do superior interesse da criança.
De igual modo, o reconhecimento e a execução das decisões obrigam-nos a estar atentos a novas realidades jurídicas que vão surgindo noutros países e, por isso, as questões de bioética e, em especial, o reconhecimento da dupla maternidade, constituem o tema do texto de Maria Aglaé Tedesco Vilardo, Juíza de Direito designada Desembargadora substituta em Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Doutora em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva.
Na atualidade, a mobilidade das populações e os processos migratórios, implicando ruturas espácio-temporais, mudanças complexas e estratégias de adaptação, tornam as crianças mais vulneráveis às dificuldades resultantes desse processo, sendo obrigação dos Estados favorecer a inclusão das crianças nas comunidades de destino. Assim, o papel dos tribunais na promoção e proteção dos direitos das crianças migrantes é analisado de forma exaustiva por Ana Rita Gil, Professora na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Constituindo a livre circulação das decisões judiciais um elemento essencial da cooperação judiciária, é feita igualmente uma discussão sobre o reconhecimento e a execução das decisões, tendo como autores Rui Alves Pereira e Ana Catarina Fialho, Advogados, ambos com experiência profissional em questões de direito internacional da família e das crianças.
Assumindo como desígnio fundamental a defesa dos direitos fundamentais, a Revista JULGAR dedicou o âmago desta edição às crianças, que são o escopo da atividade jurisdicional dos juízes das famílias e das crianças, esperando que os trabalhos publicados contribuam para uma melhor densificação e concretização do seu superior interesse.
O caderno DIVULGAR apresenta, à margem do principal núcleo temático, um breve estudo de José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, realizado no âmbito da atividade da Direção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, no qual se analisa a possibilidade de criação da figura do Provedor do Juiz. Encerramos com um pequeno apontamento sobre os 12 anos de vida da Revista JULGAR em papel, que o seu Diretor faz acompanhar de um índice com todos os artigos publicados até ao número 37.
António José Fialho