Na essência da jurisdição encontramos o poder de apreciar a prova, decidir os factos sustentados nessa prova e justificar o porquê das opções
tomadas e o seu reflexo na decisão.
A aparente simplicidade da função jurisdicional tem, na realidade, atrás de si uma enorme e profunda capacidade de avaliação e de conhecimento
humano. Melhor que ninguém, Marguerite Yourcenar, sublinhava as palavras de Adriano, o juiz, «Ser tudo para cada um durante a breve duração de uma audiência, fazer do mundo uma tábua rasa onde apenas existiam nesse momento aquele banqueiro, aquele veterano, aquela viúva; conceder a essas pessoas tão variadas, embora encerradas naturalmente em estreitos limites de qualquer espécie, toda a delicada atenção que, nos melhores momentos, se concede a nós mesmos, e vê-las quase infalivelmente aproveitar essa facilidade para incharem com a rã da fábula; enfim, dedicar a sério alguns instantes a pensar no seu problema ou no assunto que lhes interessava» (Memórias de Adriano, Ulisseia, Lisboa, 1985, p. 40). Não é fácil, por isso, ser juiz.
A reflexividade desse olhar atento durante a audiência na decisão judicial transporta um outro problema: o da racionalidade da decisão. Neste número, trazemos ao auditório dos nossos leitores, pela primeira vez em língua portuguesa, a magnífica obra de Michele Taruffo, num texto inovador mas essencial ao conhecimento do modo racional de decidir e sobretudo racionalizar a narrativa judicial. De discurso judicial, agora numa
perspectiva europeia, fala-nos Teresa Bravo, num interessante texto onde a emergência do direito europeu na vida jurídica surge como ponto essencial.
De igual forma, numa preocupação de dotar os juízes e os juristas em geral de instrumentos pouco conhecidos na dogmática nacional sobre a decisão
judicial, Perfecto Andrès Ibañez confronta-nos com as modificações dogmáticas e práticas que têm ocorrido a pretexto da exigência da racionalidade,
como fonte de legitimidade do juiz.
É notável, ainda o trabalho académico que é efectuado por uma juiz, Marta Dias, sobre matéria tão relevante, como difícil como é a fundamentação
da decisão.
No caderno JULGAR continuamos a intervir no debate sobre o papel do judiciário na Constituição agora com um interessante texto de Santos Cabral.
Também num prolongamento do que foi o tema já tratado em anterior número da JULGAR sobre gestão judicial, Nuno Coelho densifica, ainda mais, os problemas que a reorganização judiciária suscita aos profissionais da justiça. Os artigos de Lemos Triunfante e Clara Sottomayor evidenciam bem a heterogeneidade que conforma o exercício da judicatura. Entre a necessidade de cooperação internacional no domínio penal e os novos desafios sobre a parentalidade, aqui se mostram algumas respostas a vários problemas.
João Pacheco Amorim, finalmente, dá-nos uma perspectiva sobre a inserção dos julgados de paz na ordem constitucional.
DIVULGAR, a magnifica obra de Amartya Sen — A Ideia de Justiça — surge como uma espécie de imperativo de uma revista como a JULGAR. Igreja Matos, na «sua» recensão, dá-nos um «cheirinho» da excelente ora do Prémio Nobel da Economia.
Finalmente, but not de least, João Maldonado disponibiliza ao auditório da revista o seu profundo trabalho de investigação sobre O direito de retenção do beneficiário da promessa de transmissão de coisa imóvel e a hipoteca.
José Mouraz Lopes