As novas fronteiras do Direito materializam-se, cada vez mais, na evanescência da aplicação das legislações nacionais induzida pela permeabilidade, hoje irrecusável, das normas provindas do Direito da União Europeia.
Sintomaticamente, assiste-se actualmente a um fenómeno na realidade judiciária portuguesa que denuncia uma influência crescente que provém já não apenas da vertente legislativa, por força das Directivas comunitárias, mas, em especial, da jurisprudência nacional emulada pelo estudo e análise de decisões inovadoras do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Assim, comprovando-o temos que num curtíssimo espaço temporal de poucos meses, assistiu-se, na região do Minho, em especial no Tribunal da Relação de Guimarães e na Vara de Competência Mista de Braga, mas também no Tribunal da Relação do Porto, ao aparecimento de pouco menos de uma dezena de reenvios prejudiciais em matérias atinentes com situações de reparação do risco na denominada sinistralidade estradal.
É hoje, assim, manifesta a relevância no quotidiano dos tribunais portugueses do Direito Europeu, enquanto factor propulsor decisivo no “aggionarmento”, em particular, do nosso direito substantivo civil às novas exigências das sociedades hiper-modernas, na expressão feliz de Gilles Lipovetsky. Tais solicitações condicionam poderosamente a vida dos nossos concidadãos em particular enquanto vítimas de uma permanente exposição ao risco decorrente do uso generalizado das ferramentas industriais e tecnológicas num quadro genérico de protecção acrescida do universo transnacional e globalizado dos consumidores.
O presente número da JULGAR pretende mostrar essa nuclear importância do Direito Europeu, concretizando, em domínios variados, as manifestações concretas da sua aplicação ao nosso devir social.
Assim, optou-se por conferir justificado privilégio nesta edição, em particular nos espaços JULGAR e DEBATER, à análise desta realidade impositiva trazida pelo ideário europeu, comentada, por exemplo, a partir do pensamento da Hannah Arendt por José Manuel Cunha mas também pensada para o quotidiano dos tribunais na reflexão de Carlos Marinho.
As questões dos direitos fundamentais na União Europeia assumem um protagonismo materializado no risco assumido de vos trazer dois textos que se cruzam, e complementam, sobre uma mesma temática relativa aos temas da igualdade e da não discriminação, um mais genérico e abrangente, o de Mariana Canotilho, e o outro, mais extenso, de índole assumidamente pedagógica e centrado na jurisprudência do Tribunal Europeu, o de Dulce Lopes. Depois, temos artigos que cuidam também da actividade do Tribunal Europeu sempre numa perspectiva nacional como as reflexões de Rosa Tching, Alessandra Silveira ou Sophie Fernandez, sendo enfatizada a área nuclear da protecção dos direitos fundamentais também com Fátima Monteiro Pacheco e Agostinho Soares Torres (com o principio “ne bis in idem”).
Reservamos ainda o DIVULGAR para as questões tão actuais do direito do arrendamento (Eduardo Sampaio), sobrando ainda espaço para uma curiosíssima introdução ao Direito Israelita numa contribuição feita por um reputado juiz de Telavive, escrita directamente em português do Brasil onde o juiz Mário (Menahem) Klein viveu a sua infância e adolescência.
Mais uma vez o cruzamento do mundo académico com a prática judiciária é gostosamente assumido, muitas vezes na lógica interna de um mesmo artigo onde, procuradamente, se interpenetram essas vivências.
Procurando trilhar novos rumos para o direito que sirvam os anseios de justiça da comunidade, a revista JULGAR cumpre o seu escopo definido logo no número primeiro: a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.
A leitura deste 14º tomo da revista – que desejamos agradável e enriquecedora – centrada no Direito de uma Europa que vive momentos decisivos enquanto União, constitui, estamos certos disso, uma boa premissa para alicerçar a conclusão apontada.
José Igreja Matos
José Tomé de Carvalho