Fiel à sua missão de debate e discussão, a JULGAR abre-se à imprescindível discussão da reforma do direito processual civil. Pela riqueza jurídica dos assuntos tocados, pela importância para a vida prática dos tribunais, pela profundidade das alterações e pelo confessado apetite por resultados visíveis, partilhado por todos os que aguardam a mudança e dela esperam uma justiça mais eficiente, o momento é do processo civil. Precisamente por tudo isto, o tema entra no âmago do código genético da JULGAR, que lhe não poderia virar costas. Pelo contrário, reflectindo a importância do que está em causa, a revista apresenta-se, pela primeira vez, em número duplo e cada uma das duas partes assim formadas é quase integralmente dedicada ao direito processual civil, ou seja, essencialmente à sua transformação. O número duplo conta com a colaboração de seis membros da Comissão da Reforma, aos quais se juntam três outros autores que tratam de temas de processo civil.
Encontra-se inscrita no texto de João Correia a razão de ser das mais relevantes propostas da referida Comissão, com o evidente conhecimento de causa daquele que foi o seu coordenador, atento à unidade de sentido do movimento de reforma.
Construindo um arco histórico das alterações passadas até à que se projecta, Armindo Ribeiro Mendes e Paulo Pimenta cartografam os caminhos seguidos pelo legislador, iluminando as novas normas, viradas para o futuro, com a luz que nasceu da discussão em torno das suas antecessoras, permitindo conhecer melhor aquelas através dos desafios que anteriormente se colocaram a estas.
Por sua vez, Abrantes Geraldes e Carlos Lopes do Rego deitam mãos a profundas análises de detalhe das principais alterações desenhadas no seio da Comissão, explicando os fins que cada uma delas visa atingir e dando a conhecer a perspectiva do legislador, imprescindível para a futura interpretação normativa.
Remédio Marques ocupa-se de um tema de indiscutível importância prática e teórica: o da valoração das declarações não confessórias da parte. Expondo as dúvidas que a jurisprudência e a doutrina têm procurado vencer, o autor marca uma posição bem definida, assente numa compreensão exigente e garantística do direito à prova.
Para além da esfera da Comissão, o processo civil continua a dar o mote da JULGAR. Lebre de Freitas centra atenções nas potencialidades da base instrutória quando é centrada nas “questões essenciais de facto” ou, em alternativa, nos “temas controvertidos”, reflectindo sobre as consequências da opção por uma ou outra, questão que entronca directamente nas alterações que se avizinham para o momento da condensação do processo.
Rui Pinto, num exercício muito estimulante, enfrenta e questiona os dogmas mais emblemáticos do direito processual civil, critica-os, sinaliza equívocos e deixa-nos um conjunto de linhas programáticas para a elaboração de um novo Código de Processo Civil. Nuno de Lemos Jorge analisa criticamente as principais alterações propostas pela Comissão da Reforma para a acção executiva e faz um balanço geral do seu sentido, virtudes e principais desafios que a concretização da mudança no quotidiano dos tribunais faz prever.
No caderno Julgar, avançando do direito civil adjectivo para o substantivo, Paulo Ramos de Faria enfrenta um problema que tem vindo a dividir profundamente a nossa jurisprudência: o da admissibilidade da reserva de propriedade constituída a favor de terceiro financiador, mecanismo jurídico que tem vindo a ganhar um espaço cada vez maior na realidade contratual, sem que a sua relevância prática, que é indiscutível, tenha encontrado, ainda, nos nossos tribunais, uma resposta unívoca.
Já em águas do direito sancionatório, Santos Cabral ocupa-se de um tema que tem tanto de antigo como de actual e complexo: o da prova indiciária em direito penal. Tomando posição sobre os critérios que devem presidir à sua consideração e valoração, articula-os depois com os desafios impostos pelas novas formas de criminalidade. É também (de uma das manifestações) da nova criminalidade que trata Cláudia Verdial Pina, num artigo em que analisa o crime de manipulação de mercado, descrevendo a sua evolução no direito interno, sem esquecer a Directiva de Abuso de Mercado, avançando com exemplos práticos e questionando os limites da actuação da CMVM, em matérias criminal e contra-ordenacional.
O caderno Divulgar divide-se em quatro matérias distintas. Joaquim Correia Gomes traz-nos a recensão de “Le juge et le philosophe”, de Philippe Raynaud, onde este autor procura prever o lugar do direito no século XXI e a relação que este estabelecerá com a política.
Christian von Bar aborda o fenómeno da competição entre as ordens jurídicas no seio da União Europeia, pugnando pela sua superação e pelo desenvolvimento, no seu lugar, de uma “cultura da comunidade”.
Jorge Costa trata da Decisão Quadro 2009/829/JAI, do Conselho, de 23 de Outubro de 2009, relativa à aplicação, entre os Estados-Membros da União Europeia, do princípio do reconhecimento mútuo às decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva, instrumento que marca um importante passo de avanço da cooperação judiciária em matéria penal, visto pelos olhos de quem teve assento na presidência portuguesa do Grupo de Trabalho de Cooperação Judiciária em Matéria Penal.
Por último, a Comissão Organizadora da 1.ª Reunião Anual da Justiça Administrativa traz-nos o relatório deste encontro, divulgando as propostas aí apresentadas com impacto positivo na Justiça Administrativa.
Encerra-se a apresentação destes dois números que são um só lembrando justamente o seu início. A JULGAR mantém-se fiel à sua missão e oferece as páginas à discussão que se impõe no momento, buscando contribuir para um debate franco e livre dos assuntos que interessam aos que trabalham na (e com) a justiça.
Nesta edição dupla, ficam inúmeros pequenos espelhos da actualidade, que (assim se espera) formam o mosaico de um momento particularmente importante da vida judiciária portuguesa.
Nuno de Lemos Jorge
Paulo Ramos de Faria