O presente número da revista JULGAR dedica-se a temas de Direito da Família e das Crianças e Sucessões, abordando questões da área da família e das crianças e o novo Regime Jurídico do Processo de Inventário.
Durante décadas considerado uma área onde o Estado e o Direito deveriam ter uma intervenção mínima – por ser o seio da família o campo da intimidade mais absoluta, onde nem sequer o Estado poderia ter uma palavra a dizer – o Direito da Família e das Crianças tem vindo nos últimos anos a ser crescentemente desafiado por uma realidade social em constante mutação, caracterizada pelo aparecimento de novas formas de organização da família e de relações pessoais extra‑familiares, com o consequente surgimento de novos conflitos e focos de tensão.
Esta nova realidade, aliada a uma cada vez maior atenção da opinião pública (são cada vez mais frequentes casos com grande cobertura mediática, envolvendo crianças em perigo, no centro de disputas familiares ou as questões relacionadas com novas tendências na organização das famílias), despertou o interesse não apenas dos académicos e dos práticos do Direito, mas também do legislador, que se viu na necessidade de rever e atualizar um ordenamento jurídico pensado para outra época e de criar novos institutos que acomodassem a realidade social.
Os desafios colocados por esta nova realidade são enormes, para mais quando se trata de uma área onde não se discutem questões patrimoniais, mas sim sentimentos e relações afetivas. Juízes, Procuradores e Advogados são hoje obrigados a lidar com questões com as quais até há poucos anos raramente se confrontavam e que exigem conhecimentos que ultrapassam o campo do jurídico, convocando agora ramos do saber como a medicina, a psicologia e a sociologia.
Para além disso, competências que até agora não se questionava serem dos tribunais têm vindo a ser atribuídas a outros profissionais do Direito, como Conservadores (no caso dos divórcios e questões conexas, bem como na fixação de alimentos a filhos maiores ou emancipados) e Notários (no caso do processo de inventário).
Estamos a assistir (na expressão de Nuno Lemos Jorge, no artigo publicado nas páginas deste número) “à força tectónica do legislativo”, que está a mover “as placas continentais dos espaços” das diferentes profissões jurídicas. Este movimento legislativo levanta não apenas questões constitucionais quanto à opção do legislador, mas também novos desafios a todos os intervenientes, quer na definição das suas novas funções, quer no relacionamento que terão de estabelecer entre si no exercício das competências que agora lhes são confiadas.
Esperamos que os artigos publicados neste número da JULGAR contribuam para a discussão, divulgação e debate que se tornam cada vez mais prementes de todas estas questões.
António José Fialho
Filipe César Marques