A estabilidade legislativa tornou-se numa verdadeira utopia. O ciclo é repetitivo, cansativo e tortuoso para todos aqueles que têm que lidar com o Direito. Depois de alterações legais existe um alvoroço natural da jurisprudência e na doutrina no sentido de buscar as interpretações mais conformes à vontade do legislador. O abalo no sistema é evidente. Após a tempestade vem a bonança. A acalmia demora meses, por vezes anos, nomeadamente através da uniformização jurisprudencial. Seguidamente, retoma, na medida dos possíveis, a confiança, a certeza e a previsibilidade. Mas, infelizmente, tem revelado a história que se tratam de “episódios ocasionais de tranquilidade legislativa”. Muitas vezes uma dormência legislativa motivada por mudanças de governo. Quando menos se espera a tempestade volta e com mais força, ao sabor de novas políticas na área da justiça.
No domínio das leis penais o ano de 2015 foi pródigo em alterações. Um verdadeiro furacão de mudanças que varreu vários quadrantes: alterações ao código penal, ao código de processo penal, mandado de detenção europeu, cooperação judiciária, identificação criminal, leis do terrorismo, corrupção, segredo de estado, novas leis no domínio da execução de sentenças no espaço da união europeia, protecção da vítima, etc. O embate numa área tão sensível como o criminal ainda está para ser sentido.
Afigurou-se “imperativo” tentar compilar um conjunto de estudos e reflexões que permitam aos nossos leitores o mais rapidamente possível ambientar-se aos “novos ventos”.
Reservou-se assim para Debater a estrutura óssea de algumas das alterações. A vastidão e complexidade de mutações no domínio da criminalidade sexual serão objecto do estudo de André Leite Lamas. Mário Monte analisa os novos crimes de stalking, mutilação genital e casamento forçado, inovações incriminatórias que procuram dar resposta a novas realidades sociais. Navegando nas águas das leis que combatem a corrupção Cláudia Santos torna mais límpida e apreensível as mudanças nessa área e encara temas controversos que irão suscitar aceso debate. E o marco de trinta dias no âmbito do processo penal passou a ser meramente simbólico? O direito à prova foi restringido de forma inadmissível? O princípio da plenitude da assistência de juízes estará verdadeiramente a ser respeitado? Vejamos as respostas no artigo de Nuno Brandão. Pedro Albergaria e Pedro Lima enfrentam a difícil tarefa de tentar identificar o bem jurídico tutelado pelas recentes incriminações de maus tratos e abandono de animais de companhia e apontam qual a melhor interpretação das normas incriminatórias. Por fim, Pedro Vieira assinala como a vítima passou a ocupar um papel central no nosso processo penal, tornando-se hoje verdadeiramente um sujeito processual.
Com relevância na tarefa de JULGAR são os artigos de Agostinho Torres e Luís Lemos Triunfante: uma panorâmica da implementação na ordem jurídica portuguesa de relevantes mudanças a nível do regime jurídico do mandado detenção europeu e introdução de novos instrumentos em matéria de reconhecimento mútuo de decisões penais pre e post sentenciais, no âmbito da União Europeia.
Para DIVULGAR, apresentamos um estudo de Nuno Caiado, que de forma crítica analisa o nosso sistema judicial de execução de penas e apresenta alternativas. Importante é também conhecer as mudanças que existiram no âmbito dos crimes sexuais em Espanha, que Francisco Sillas resume de forma exaustiva. Facilmente, constatamos que muitas são as semelhanças com o que sucedeu em Portugal. Resultado do cumprimento de Directivas que aproxima cada vez mais os sistemas penais dos países da EU.
Ainda um debate actual é a questão da necessidade/legitimidade de criminalização do enriquecimento ilícito/injustificado. Maria do Carmo Silva Dias enfrenta este tortuoso labirinto, apresentando argumentos, conclusões e soluções alternativas que vale a pena conhecer e discutir.
A Julgar prossegue neste número um triplo objectivo: abordar temáticas de flagrante actualidade de modo a que os juristas possam continuar a encontrar na revista um porto de abrigo para afrontar águas ainda turbulentas; partilhar o pensamento de uma mescla de magistrados, professores, técnicos e académicos que permita um olhar plural e diverso, a um tempo rigoroso e especulativo; finalmente, congregados estes pressupostos, proporcionar aos leitores um número que perdure enquanto instrumento de consulta para todos aqueles que se confrontam, no seu quotidiano, com estas múltiplas alterações às leis penais.
Para além desta edição em papel, assistimos, nos anos recentes, a uma expansão clara, quer no número de artigos publicados quer no número de visitas, da nossa outra plataforma editorial, a revista digital (julgar.pt). Apresentando um inusitado dinamismo no ritmo de publicações, ainda que procurando manter patamares adequados de exigência técnica, é hoje possível consultar, gratuitamente, um acerbo de artigos originais, de índole jurídica, que cruzam diferentes temáticas e saberes. Com um motor de busca simples e intuitivo, convidamos os leitores a percorrer as páginas da “irmã mais nova” desta vossa revista; num exemplo atinente com o tema deste número 28, será interessante ler, ou reler, os diversos textos da Julgar Digital sobre confisco de bens e recuperação de activos, no âmbito do processo penal.
A Julgar em papel, pesem as dificuldades imensas e conhecidas do mercado editorial das revistas jurídicas, quer continuar a constituir o eixo nuclear do nosso projecto. As próximas edições da revista disso constituem exemplo: neste sentido, os 40 anos da Constituição da República Portuguesa merecerão uma atenção muito especial.
Através da renovação geracional dos nossos quadros redactoriais, a ocorrer brevemente, tendo em mente sempre a presença maioritária de jovens juízes, diversificando a intervenção e divulgação públicas das nossas revistas e reforçando a colaboração com outras entidades do judiciário, procuramos assegurar o futuro nos tempos de hoje.
Mas, agora e sempre, nada será possível sem o vosso continuado apoio e suporte. E desse nunca sentimos a falta.
Tiago Caiado Milheiro
José Igreja Matos