A cooperação judiciária internacional em matéria penal iniciou-se em 1269 A.C. com o Tratado de Paz e Fraternidade que estabeleceu uma aliança defensiva entre egípcios e hititas sobre extradição de refugiados políticos.
Decorridos mais de 3000 anos, transformou-se num ramo do direito: i) universal, dominado por fenómenos como a globalização e a criminalidade internacional e transfronteiriça, caraterizado por uma evolução constante da prática forense e jurisprudencial (tribunais internacionais), que procura acompanhar a “velocidade” dos nossos tempos; ii) com autonomia conceptual e prática, profundamente marcado pela evolução do direito penal internacional.
Dominada até à presente data por três gerações de instrumentos: i) baseada no princípio da soberania e em sociedades fechadas; ii) baseada no sistema de autoridades centrais e convenções; iii) fundada em novas ferramentas e instrumentos, na transmissão direta entre autoridades, apoiadas por organismos e redes especializados, encontrando-se sedimentada esta última, urge prospetivar um quadro de cooperação novo, em que a dialética harmonização/cooperação e instrumentos hard/soft law continuarão a desempenhar um papel crucial, atentos os diferentes patamares de confiança e reconhecimento mútuo, mas agora orientada para novas prioridades e desafios.
Atenta a esta evolução e relevância, e pela primeira vez, a JULGAR dedica um número a esta temática.
Abrimos o caderno JULGAR, dada a sua pertinência, com um artigo de Fátima Pacheco e de Agostinho Torres, dedicado ao Mandado de Detenção Europeu, dando uma perspetiva académica e prática às respostas recentes do TJUE quanto à inexecução facultativa de tal instrumento, em concreto, refletindo sobre a necessidade de subordinar a entrega de uma pessoa condenada a pena privativa de liberdade à verificação concreta, precisa e exaustiva das condições de detenção existentes no Estado-Membro de emissão.
Prosseguimos com Madalena Peres, num texto muito útil aos leitores, dedicado à análise da Cooperação Judiciária Internacional numa perspetiva prática, no qual são desenvolvidas e explicadas as principais ferramentas ao dispor dos práticos que lidam com esta matéria.
Terminamos este caderno com um texto em temática muito atual, no qual Margarida Santos nos oferece uma olhar completo sobre a Procuradoria Europeia e o exercício transnacional da ação penal relativamente aos crimes que lesem os interesses financeiros da União Europeia (UE), tendo como objetivo principal o de analisar o objeto material de atuação da Procuradoria Europeia, à luz destes instrumentos jurídicos, acentuando alguns desafios e inquietações que emergem no âmbito deste novo modelo de intervenção penal em curso.
Para DEBATER, iniciamos as hostilidades com uma visão tripartida de Maria Teresa Santos, Nuno Coelho e José Mouraz Lopes, dedicada a um tema sempre na ordem do dia, a corrupção, tendo por objeto de análise a experiência de um instrumento de cooperação internacional (PACED). Ao longo do argumento avançado, o artigo socorre-se do exemplo de um projeto de cooperação regional que tem como um dos seus objetivos a prevenção e controlo da corrupção.
Continuamos com um exame minucioso e inovador de Pedro Caeiro, subordinado às imunidades dos parlamentares e à extradição/entrega de pessoa, no qual se realiza uma revisão da doutrina das imunidades parlamentares e se examina de que modo elas podem aplicar-se, em combinação com imunidades de direito internacional, aos procedimentos de extradição e entrega de pessoas que tenham o Estado Português por parte requerida/entidade de execução.
Convidamos os leitores a debater a matéria do terrorismo e contraterrorismo na União Europeia, num artigo em que Luís de Lemos Triunfante e Vítor Teixeira de Sousa empreendem um voo rasante e atualista sobre os instrumentos (acervo legislativo e institucional) da UE de combate ao terrorismo e um hipotético instrumento nacional (os Centros de Fusão de Inteligência), deixando aberta a porta a novas interrogações – e consequentes análises – nesta matéria.
Terminamos o DEBATE com um artigo de Jorge Costa sobre um dos principais instrumentos de cooperação: a Decisão Europeia de Investigação, em que se faz o enquadramento genérico e específico da Lei portuguesa que procede à transposição da Diretiva.
Finalmente, no caderno DIVULGAR, apresentamos aos leitores um texto de João Conde Correia sobre o reconhecimento mútuo de decisões de apreensão e de confisco, em concreto um estudo crítico sobre o novo Regulamento (UE) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018.
Passamos em seguida ao novo Regulamento da Eurojust, numa reflexão de António Cluny, em que se procura fazer a ponte entre o antigo e o novo quadro legal da Eurojust, fazendo ainda a ligação com a Procuradoria Europeia, se levantam questões e se antecipa o futuro da investigação criminal na UE.
Não podíamos defraudar os leitores e por isso encerramos a revista com a prospetiva da cooperação judiciária internacional em matéria penal na UE, na perspetiva de Luís de Lemos Triunfante, procurando antecipar cenários e deslindar o futuro dos principais instrumentos que compõem o acervo principal da UE nesta matéria.
Tendo presentes as premissas iniciais, mais do que nunca, importava definir o estado da arte e prospetivar a cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Este foi o desiderato, julgamos nós, alcançado com este número da JULGAR.
Aos leitores e a todos os que lidam com esta matéria deixamos a última palavra.
Luís de Lemos Triunfante