O regime jurídico do maior acompanhado de 2018 (RJMA) veio regular essencialmente a capacidade jurídica das pessoas maiores com capacidades diminuídas, instituindo o acompanhamento legal e eliminando formalmente o regime das interdições e inabilitações instaurado pelo Código Civil de 1966. O contexto político, social, cultural e jurídico, mormente a nível constitucional, entre um e outro são totalmente distintos, porquanto hoje vivemos numa sociedade democrática, temos uma maior longevidade, estamos na fluidez pós-modernista e convivemos em liberdade. Mas, como já dizia Jorge de Sena, “quem te amar, ó liberdade, tem de amar com paciência”.
E foi essa paciência que esperou e desesperou pela necessária e inevitável reforma legislativa. Como sucede quando tal acontece, a sua aplicabilidade gera hesitações, desorientações, constrangimentos, mas também mudanças, criatividades, desafios. E com a mesma fomos conduzidos para o epicentro da nossa vida jurídica, de sermos “sujeitos de quaisquer relações jurídicas” (artigo 67.º Código Civil), que é exatamente o cerne da capacidade jurídica. Mas será que, após uma cultura jurídica de interdição de direitos como melhor meio de proteger as “pessoas maiores incapazes”, temos agora uma cultura jurídica de acompanhamento, estabelecendo-se os meios de apoio para as “pessoas maiores impossibilitadas” de exercer os seus direitos ou deveres? E o que significa esta? O que pretende?
O que está essencialmente em causa com o RJMA é a condição jurídica das pessoas maiores com discapacidades, sendo um dos temas mais nevrálgicos e sensíveis no âmbito do Direito. E isto porque questiona a nossa existência jurídica humana numa situação de vulnerabilidade, a liberdade de decidir e agir enquanto agentes autónomos, com destaque para aquela vita ativa (labor, trabalho, ação), a que se referia Hannah Arendt, enquanto atividades humanas fundamentais.
Mas o RJMA não é a única fonte normativa que disciplina a capacidade jurídica, porquanto existe uma pluralidade de outras fontes, particularmente a nível dos direitos humanos e a nível constitucional, ou seja, num plano supralegal, que condiciona o plano infraconstitucional do acompanhamento legal. Assim, havia a necessidade de extravasar os parâmetros mais espartanos das “leituras civilistas”, que, naturalmente, são relevantes, mas abri-las a outras leituras jurídicas, como são as provenientes da filosofia do direito, do constitucionalismo, civilistas “sensíveis aos direitos humanos”, comparativistas, “praxistas” e mesmo não jurídicas, no caso apenas médico-psiquiátricas, pois faltam outras, designadamente sociológicas, filosóficas.
Assim, e decorrido pouco mais de um ano da sua entrada em vigor, considerámos que havia um tempo presente para apresentar essas outras leituras, percebendo melhor o possível e inovador alcance que pode ter o RJMA, ou então para ficar tudo na mesma, i. é, tudo como dantes. Para o efeito, utilizámos esta plataforma da Revista JULGAR, cada vez mais desafiante e estimulante, que desde o primeiro momento deu a sua plena e, diga-se, entusiástica e incondicional adesão. Finalmente, um agradecimento a quem teve a amabilidade de aceitar este desafio, fazendo-o sem qualquer hesitação, participando na elaboração dos textos que agora apresentamos. Para “Julgar” fica a “análise crítica” de quem vai ler.
Joaquim Correia Gomes