[Nota: publicam-se unicamente os resumos dos artigos do n.º 50, disponível para aquisição na Livraria Almedina (link). A publicação integral será feita aproximadamente dois anos após a publicação em papel, ou seja, relativamente ao n.º 50, no final do segundo quadrimestre do ano de 2025.]
“Corruption can cost you your freedom, health, wealth, and sometimes, even your life (…)”1
I.
A corrupção é um inelutável tema de cidadania.
Somos diariamente confrontados com o fenómeno corruptivo, por todos os quadrantes, nos palcos internacional e nacional, nas esferas pública e privada, sobretudo através da comunicação social, marcando a agenda pública e trazendo enormes desafios de ordem social, política, cultural, económico-financeira e jurídica.
No caderno Julgar, publicamos os textos disponibilizados pela maioria dos palestrantes nas VI Jornadas Açorianas de Direito, organizadas por um grupo de Juízes com o inestimável apoio da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, e que tiveram lugar no Salão Nobre do Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, nos dias 10 e 11 de novembro de 2022, subordinadas ao tema geral “A Estratégia Nacional Contra a Corrupção – Aspetos Éticos e Jurídicos”.
À semelhança das anteriores edições das Jornadas Açorianas de Direito, sempre pautadas por temas de grande atualidade social e relevância jurídica, nesta edição debateram-se questões emergentes da aprovação, pela Lei nº 94/2021, de 21 de dezembro, das novéis medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção (comumente apelidada de pacote anticorrupção), não se tendo olvidado, outrossim, a abordagem da dimensão ética da corrupção na medida em que esta corrói os alicerces do sistema democrático, criando desigualdade, em especial ao nível concorrencial, e desconfiança do cidadão em relação às instituições, assim se projetando na qualidade geral da democracia. Tal perspetiva da saúde do sistema económico e da transparência democrática foi refletida na criteriosa escolha, pela organização, de personalidades com formação em outras áreas do conhecimento que, a par de académicos e práticos do Direito de reconhecido mérito, também integraram o lote de palestrantes. Quanto à dimensão jurídica da temática, procurou-se dissecar as novidades aportadas (ou a falta delas) pelas assinaladas medidas, com enfoque quer na dinâmica do fenómeno no plano preventivo administrativo e financeiro e, a jusante da conduta criminosa, no plano repressivo da recuperação de ativos, quer no estrito domínio penal e processual penal dos instrumentos normativos premiais em matéria de corrupção e crimes conexos, do regime jurídico das pessoas coletivas e dos crimes societários.
Os artigos ora publicados respeitam a ordem das prelações dos oradores, assim permitindo ao leitor apreender o encadeamento das matérias abordadas por cada qual.
José Mouraz Lopes, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, debruça-se na filigrana das políticas públicas anticorrupção ao longo das últimas três décadas e, neste seguimento, versa criticamente sobre a magna questão da prevenção no plano administrativo, trazendo à liça o exemplo do contorno militar da linha de Maginot como representação alegórica do receio de ineficácia da política administrativa relativa ao combate daquela ameaça.
Nuno Brandão, Advogado e Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, escalpeliza o quadro premial penal em matéria de corrupção e crimes conexos concernente a (promessa de) benefícios penais a agentes que colaborem de forma relevante com o sistema de justiça, sobretudo os institutos da dispensa de pena, da atenuação especial da pena e da suspensão provisória do processo, e correlativo âmbito de aplicação, também apreciando os entorpecimentos práticos que tais soluções premiais, a exemplo do passado, podem continuar a encontrar na cultura judiciária portuguesa.
João Conde Correia, Magistrado do Ministério Público com vasta experiência profissional na recuperação de ativos, centra a sua abordagem na crítica ao desinvestimento legislativo a respeito do temário, porque não refletido nas medidas previstas na citada Estratégia nem nas alterações legislativas posteriores, ao jeito de oportunidade perdida, em sentido oposto às prognosticáveis alterações legais, neste domínio, que a União Europeia ditará aos Estados Membros.
Luís Rosa, Jornalista e Redator principal do Observador, traz-nos a perspetiva de um profissional da comunicação social que há muito se dedica à investigação jornalística de “casos mediáticos”, colocando a tónica nas dificuldades de resposta do sistema de justiça lato sensu, sobretudo quanto à celeridade, no âmbito dos “megaprocessos” relacionados com a criminalidade económico-financeira.
Maria João Antunes, Professora Catedrática da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, brinda-nos com uma envolvente excursão sobre as alterações introduzidas no regime jurídico das pessoas coletivas, incluindo, sobremaneira relevante, a nervura dos programas de cumprimento normativo e o âmbito da cultura de compliance.
Por último, Susana Aires de Sousa, Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, revisita os crimes societários, com a eloquência que lhe é própria, quais sejam aqueles previstos no Código das Sociedades Comerciais praticados pelos legais representantes da sociedade, matéria esta de rara análise doutrinária.
O leitor, por certo, ficará enriquecido com a qualidade científica dos artigos.
II.
No caderno Debater, publicamos dois artigos, do cálamo de Magistrados do Ministério Público, nos domínios penal e processual-penal.
Pedro do Carmo, tomando como exemplo o sistema norte-americano, traça-nos as dificuldades conceptuais e de prova no ordenamento jurídico nacional relativas à questão da incapacidade do arguido para estar em juízo por força de anomalia psíquica posterior ao facto típico, ilícito e culposo, não só quanto à compreensão da natureza e objeto do processo e as suas possíveis consequências, mas também no domínio da comunicação com o seu defensor que, em si mesma, traduz uma garantia de defesa.
No âmbito penal, Rui Videira examina o crime ambiental de perigo abstrato de atividades perigosas para o ambiente, tipificado pelo art. 279º-A do Código Penal, cujo nº 1, peculiarmente, remete para o Regulamento MTR, convocando normativos de direito internacional e europeu para a interpretação (conforme) do preceito, analisando de seguida, em particular, quer o conceito indeterminado, decalcado da apelidada Diretiva Ecocrime, de quantidade não negligenciável, quer o momento da consumação do tipo de ilícito assente na possível diversidade de entendimento resultante das versões em português e em inglês daquele Regulamento.
III.
No caderno Divulgar, Fátima Reis Silva, Juíza Desembargadora, oferece- -nos um notável panorama eminentemente prático, objetivo e claro da panóplia das novas funções do juiz no Processo Especial de Revitalização, num artigo que completa o conjunto publicado no nº 48 da JULGAR a propósito das alterações ao CIRE introduzidas pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro.
Por fim, Ricardo J. Marques, Juiz de Direito, reflete sobre o contrato de seguro automóvel e as suas repercussões na mora do segurador, mormente ao nível dos remédios legais de proteção do segurado, atendendo às especificidades daquele negócio jurídico, no sentido do (re)equilíbrio de distorções contratuais, transcursando a problemática para uma abordagem prática do panorama jurisprudencial nacional, exemplificando a recente inflexão que se tem verificando neste domínio, proveniente do Supremo Tribunal de Justiça, assente nos princípios gerais de direito e, com primorosa expressão, na densificação dos deveres acessórios de conduta.
Francisco de Siqueira
1 Organização Transparency International, https://www.transparency.org/en/about, acesso em 2023.03.30.
* * *
“Se não queres estafar o espírito e o olhar, Vai sempre atrás do Sol – mesmo na sombra!”
Nietzsche, “A um Amigo da Luz”, in “Friedrich Nietzsche: Poemas”
Cinquenta números!
É esta a efeméride que assinalamos na presente edição da nossa Julgar.
José Mouraz Lopes, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, José Igreja Matos, Juiz Desembargador, e Nuno de Lemos Jorge, Juiz de Direito, diretores da Revista que se sucederam desde a sua fundação, partilham connosco a construção e crescimento deste projeto editorial, memória histórica coletiva de um sonho, em forma poética cristalizado.
É imensa a admiração e profunda a gratidão pelo vosso legado!
Foi este valioso testemunho que o atual conselho de redação recebeu e procura honrar desde o dia 1 de janeiro de 2021.
Estabelecemos um rumo de divulgação de temas da atualidade, tendo acompanhado a Pandemia (Julgar n.º 44) e a guerra na Ucrânia (Julgar n.º 49), assim como pretendemos debater importantes alterações legislativas, ocorridas nas jurisdições de família (Julgar n.º 47) e de comércio (Julgar n.º 48).
Simultaneamente, revisitámos matérias sempre presentes no foro, concretamente o contrato de seguro (Julgar n.º 43) e os acidentes de viação (Julgar n.º 46), abordando também questões inovadoras, em evolução, como sucede com a inteligência artificial (Julgar n.º 45).
Enunciamos, a finalizar este editorial, os artigos publicados em cada um destes números, com indicação dos respetivos autores e títulos.
Neste n.º 50 elegemos como tema de capa um meritório evento, as Jornadas Açorianas de Direito, cuja sexta edição foi dedicada à Estratégia Nacional contra a Corrupção, e às quais associámos a abordagem de outras dimensões do direito, num registo aberto e plural.
Mas a Julgar é, de igual modo, uma Revista digital, lugar paralelo e distinto da edição em papel, o que tudo implica um elevado grau de dedicação, pelo que me cumpre renovar aqui o meu penhorado agradecimento a todos os membros do conselho de redação, Joana Silva, Juíza de Direito, Diretora Adjunta, Ana Cristina Lameira, Juíza Desembargadora, António José Fialho, Juiz de Direito, Fátima Reis Silva, Juíza Desembargadora, Filipe César Vilarinho Marques, Juiz de Direito, Francisco Mota Ribeiro, Juiz Desembargador, Francisco de Siqueira, Juiz de Direito, Miguel Raposo, Juiz de Direito, Renato Barroso, Juiz Desembargador, e Ruben Juvandes, Juiz de Direito, pela sua permanente disponibilidade, entusiasmo e amizade.
Uma palavra de agradecimento se impõe também ao Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Juiz Desembargador Manuel Soares, e à sua Direção, pelo voto de confiança e apoio constante à Julgar.
Continuaremos, pois, atentos à atualidade e a todos os assuntos de relevo forense, esperando e perseverando para que a Julgar continue a ser um polo de debate jurídico e de reflexão sobre a justiça, acreditando que juntos seremos sempre capazes de encontrar o caminho do Sol!
Sónia Moura