- Nos dias 8 e 9 de novembro de 2018, realizaram-se em Ponta Delgada as V Jornadas Açorianas de Direito, as quais, ultrapassando a barreira física e psicológica da ultraperiferia, constituem-se já como um referencial incontornável dos encontros de discussão jurídica no panorama nacional. A sua matriz, talhada há já quase uma década, assenta na escolha de temas atuais, complexos e controversos, não abdicando da escolha dos melhores conferencistas, os mais sabedores e capazes, independentemente da sua origem profissional, nacional ou geográfica, de protagonizarem uma intervenção sólida que posa ser a base para uma elevada discussão de cada um dos subtemas.
- A Associação Sindical dos Juízes Portugueses e a JULGAR estão, desde a primeira hora, associadas a este evento bianual, tendo-lhe já dedicado os n.os 12, 21, 25 e 32, respetivamente dedicados aos temas das quatro primeiras Jornadas: “I – Crimes no seio da família e sobre menores”; “II – Acordos sobre a sentença penal”; “III – A criação judicial de Direito no limiar do séc. XXI”; e “IV – Os movimentos atuais de criminalização e de descriminalização”. Neste número, com referência às Jornadas do pretérito mês de novembro, debatem-se os temas que rodeiam os problemas d’A Prova nos Crimes de Corrupção e os Delitos Económico-Financeiros. Se as conferências foram excelentes, não o foram menos os debates que as mesmas suscitaram e que, nalguns casos, se veem referidas nas notas de rodapé dos textos dos conferencistas. Académicos, causídicos, magistrados, estudantes e outros interessados animaram elevadas discussões sobre as ações encobertas na investigação da criminalidade económico-financeira, sobre a delação premiada (ou colaboração probatória premiada), os contornos dos direitos de defesa e os compromissos com o direito ao silêncio nesta área da criminalidade tão complexa, a compliance e a posição processual da pessoa coletiva constituída arguida, a prova digital e os métodos ocultos de prova, bem assim como sobre os mecanismos relativos ao confisco e à perda de vantagens no direito espanhol, no âmbito do crime de corrupção. É de tudo isto que se cura neste número da JULGAR, no qual se publicam as comunicações apresentadas ao auditório (infelizmente, não todas).
- Relativamente ao temário da responsabilidade penal das pessoas coletivas e concretamente sobre a posição processual das mesmas quando constituídas arguidas, Maria João Antunes expôs não haver entre nós, contrariamente o que sucede nos ordenamentos do nosso entorno cultural que têm semelhante sistema de responsabilização penal destes entes coletivos, normas processuais penais específicas. A ausência de tais normas abre espaço ao labor doutrinal e jurisprudencial e ao recurso às regras de integração de lacunas previstas no artigo 4.º do Código de Processo Penal. E abre, do mesmo passo, espaço à crítica da substituição do legislador pelo juiz. Susana Aires de Sousa realiza um percurso sobre o panorama legislativo em matéria de ações encobertas no âmbito das infrações económico-financeiras, evidenciando uma tendência de alargamento da investigação encoberta nas suas diversas cambiantes, de certo modo contrariando uma (cada vez mais apenas suposta) natureza excecional e subsidiária destes métodos de investigação. É nesse mesmo contexto que João Gouveia de Caires discute os limites da tipicidade dos meios ocultos e questiona a admissibilidade da utilização do varrimento eletrónico, não deixando de questionar os riscos e limites do recurso a este tipo de métodos ocultos e a sua cumulação com outros abertos. Ao agente encoberto e ao agente encoberto informático se refere Pilar Rasillo López, mas no contexto das investigações dos ilícitos de corrupção no reino de Espanha. Traz como novidade os instrumentos normativos disponíveis em Espanha para fomentar a colaboração dos investigados com a justiça, assentes no reconhecimento dos factos praticados e na colaboração efetiva, como caminho necessário à admissibilidade da pena negociada (com o Ministério Público) e sequente validação judicial. Tangentemente, Nuno Brandão refere-se à figura da colaboração premiada ou da colaboração probatória no direito português, fazendo a respetiva caracterização nas suas duas dimensões essenciais: a relativa à colaboração; e a respeitante à atribuição de vantagens ao arguido colaborador, como contrapartida de um seu contributo processual de natureza probatória. Procede, depois, à análise crítica das soluções premiais já previstas na legislação portuguesa, tanto no plano penal como no processual penal. Sandra Oliveira e Silva, por sua vez, discorrendo sobre o direito ao silêncio nos processos por crimes de corrupção ou por delitos económico-financeiros, começa por dizer que não existem verdadeiramente especificidades de relevo nesta área da criminalidade que as distingam dos outros ilícitos. Não obstante, questiona, a respeito do direito ao silêncio nos processos por crimes de corrupção ou por delitos económico-financeiros, em que medida poderão os deveres de colaboração previstos nos diversos setores regulados da economia projetar-se nos processos por delitos económico-financeiros como provas autoincriminatórias livremente valoráveis. Formula, neste contexto, uma proposta autónoma de compatibilização entre deveres de colaboração e o nemo tenetur se ipsum accusare. Sónia Fidalgo trata o tema da recolha da prova em suporte eletrónico, em particular os problemas que rodeiam a apreensão de correio eletrónico, evidenciando as dúvidas que vêm sendo levantadas pela doutrina e pela prática judiciária, no contexto da Lei do Cibercrime e sua concatenação com o Código de Processo Penal (por força de remissão expressa), geradoras de uma querela competencional, com consequências para a validade da prova e desfecho das investigações, anotando a argumentação que a jurisprudência maioritariamente vem acolhendo na ponderação dos valores em presença.
- Pelo seu significado contextual e que, indubitavelmente, só as valoriza, dão-se também à estampa as conferências de abertura e de encerramento das V Jornadas Açorianas de Direito, sendo a primeira de Vasco Cordeiro, Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores, e a segunda de José Manuel Bolieiro, Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Ambos juristas de reconhecido mérito e políticos insignes, aportam ao evento não apenas o seu próprio prestígio, como engrandecem, com as suas palavras, o ecletismo das Jornadas Açorianas de Direito.
José Francisco Moreira das Neves
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Comemorando o Dia Mundial da Propriedade Intelectual e o sexto aniversário da sua instalação, o Tribunal da Propriedade Intelectual realizou, no dia 27 de abril de 2018, em Lisboa, as suas Primeiras Jornadas.
Do futuro das marcas ao regime da arbitragem em matéria de patentes de medicamentos e à proteção do direito do autor, a propriedade intelectual esteve em debate. Num encontro de juízes e advogados, mas, também, de autores, empresários, académicos e estudantes, envolvendo toda a comunidade da propriedade intelectual.
Revisitada a história da sua criação e feito o balanço dos seis anos de funcionamento do Tribunal da Propriedade Intelectual, discutiu-se a especialização dos juízes e dos tribunais e começou a olhar-se para o futuro, que já chegou.
A JULGAR publica neste número algumas das comunicações apresentadas.
Numa altura em que as Jornadas do Tribunal da Propriedade Intelectual vão já na sua segunda edição, este ano no Porto, foi seguramente positiva a resposta à questão colocada nas Primeiras Jornadas do Tribunal da Propriedade Intelectual: uma aposta ganha?
Eleonora Viegas