Resumo: o presente trabalho procura refletir sobre os impactos da jurisprudência do TEDH na esfera nacional dos Estados, interpretando tal impacto como um desafio com implicações democráticas. Para tal, partiremos do caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal (2000), que marcou a primeira condenação de Portugal no que diz respeito ao art. 10.º da CEDH referente à liberdade de expressão. Este foi o primeiro de mais de duas dezenas de condenações que se seguiram, o que veio a provocar reações no meio jurisdicional português. A maioria dos participantes no debate entende que os tribunais nacionais devem adaptar a sua interpretação às decisões do TEDH, mas esta posição não é consensual. No nosso trabalho, procuraremos mostrar de que modo o Conselho da Europa, a DEDH e o TEDH – desde a sua génese ligada ao aprofundamento democrático e promoção e salvaguarda dos direitos humanos –, acabam por revelar as tensões inerentes ao modelo da democracia liberal que opõem o individualismo e universalismo liberais à democracia como possibilidade de decidir coletivamente um projeto comum. Analisaremos como aquelas instâncias europeias procuraram ter este desafio em conta – designadamente, através da consideração dos consensos nacionais e do princípio da margem de apreciação –, bem como as dificuldades inerentes a estes mecanismos, o que se traduzirá numa situação de equilíbrios precários. O contexto atual de crise do paradigma liberal é tomado em particular conta, fazendo relevar as reflexões aqui propostas.
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1. Introdução
Na conferência que teve lugar na sessão de abertura dos cursos do 2.º ciclo da Escola de Direito da Universidade do Minho no ano letivo de 2018/2019, o Juiz Conselheiro João Silva Miguel procedeu ao balanço sobre os 40 anos de adesão de Portugal à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Esta Convenção, habitualmente designada como Convenção Europeia dos Direitos do Homem, foi assinada em Roma no dia 4 de novembro de 1950 e entrou em vigor a 3 de setembro de 1953, com o depósito do décimo instrumento de ratificação. Concebida no âmbito do Conselho da Europa, constitui um dos documentos basilares da narrativa dos direitos humanos que se foi consolidando ao longo da segunda metade do século XX. Estão hoje vinculados a ela, por fazerem parte do Conselho da Europa, quarenta e sete Estados – o que constitui um longo caminho de alargamento desde os seus dez membros iniciais, albergando tradições culturais e políticas bastante distintas, desde a tradição liberal do Reino Unido a países como a Rússia e a Turquia.