Believe me, we have enough imperfection built-in already

(Breves reflexões sobre as denominadas ações de «wrongful genetic makeup»)

1. Prolegómenos

O título da presente investigação remete-nos para uma das magistrais cenas da longa-metragem Gattaca (1997), na qual os pais do protagonista Vincent Freeman se dirigem a um centro de procriação medicamente assistida (PMA) para selecionar o embrião que dará origem ao seu irmão Anton, sendo-lhes dito: «you want to give your child the best possible start. Believe me, we have enough imperfection built-in already. Your child doesn’t need any additional burdens. And keep in mind, this child is still you, simply the best of you. You could conceive naturally a thousand times and never get such a result».

Se há algumas décadas tais palavras passavam absolutamente despercebidas e eram qualificadas de meros devaneios próprios de um filme de ficção científica, hoje lembramo-nos constantemente delas ao ler uma vasta quantidade de obras que se debruçam, de forma mais ou menos provocadora, sobre a temática da PMA. Desde os finais da década de 70 do século passado que o progresso técnico-científico neste domínio tem estimulado a dissociação entre sexualidade e procriação, inter alia, com a progressiva transferência desta última “do útero materno para a bancada do laboratório”. Aos poucos, começamos a acreditar, com maior acuidade, que o ser humano se tornará capaz de projetar o futuro, desde logo através da projeção da própria descendência. A lotaria da hereditariedade parece ser contrariada e a “sorte” ou o “azar” são progressivamente substituídos pela “escolha”.

Para tal tem contribuído a hodierna Revolução Genómica – que tem reformulado o contexto económico, social, cultural e humano em que vivemos – ao viabilizar a trilogia “conhecer, prever, mudar” de que nos falava Luís Archer já no final do século passado. Por um lado, desde o término do Projeto do Genoma Humano (PGH), em 2003, mais de 1800 doenças de natureza genética foram identificadas, bem como os genes nelas implicados. São, pois, cada vez maiores as potencialidades da genética preditiva ou predizente, mormente com o desenvolvimento de testes genéticos cada vez mais fiáveis, precisos e económicos e que tornam “possível prever (antes mesmo de aparecer qualquer sintoma) a ocorrência de, (…) ou a predisposição para, uma determinada doença genética, no indivíduo a quem o teste é realizado”. Ao contrário dos testes clássicos, estes «Next Generation Sequencing-Genetic Tests» (NGS-GT) analisam, de forma sequencial, “segmentos do genoma, quer levando a cabo uma análise global do mesmo, quer de alguns segmentos importantes para a identificação ou confirmação do diagnóstico de uma doença genética”. Deste modo, torna-se possível a tomada de medidas profiláticas ou o início antecipado ou atempado da terapia a aplicar, impedindo-se o aparecimento da doença ou, pelo menos, retardando-o.