1. Considerações Gerais
Como se tem vindo a referir, a regra consagrada no novo regime do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, tem levantado sérias dúvidas e problemas, no que respeita ao princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, atendendo à possibilidade de deliberação sobre a composição dos quinhões, por uma maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, independentemente da proporção de cada quota.
A norma prevista no n.º 1, do artigo 48.º, da aludida lei, parece pôr em causa a situação jurídica dos herdeiros legitimários, por lhes estar associada “uma protecção especial, que se funda no princípio da intangibilidade qualitativa da legítima”, expressamente previsto no artigo 2163.º, do CC, nos termos do qual o de cuius não pode, contra a sua vontade, preencher as respectivas quotas legitimárias com bens determinados ou onerá-la com encargos de qualquer natureza.
A sucessão legitimária tem como fundamento a protecção da família como instituição fundamental da sociedade, nomeadamente, da família mais próxima do de cuius, justificável à luz de normas constitucionais (artigos 36.º e 37.º, ambos da CRP), mesmo contra a vontade do autor da herança, representando, assim, um limite à eficácia de outros tipos de sucessão.
Determinada pela relevância social da família e pela função que o património do de cuius assegura, em matéria de transmissibilidade mortis causa (artigo 62.º, da CRP), a sucessão legitimária incide sobre a família nuclear (cônjuge, descendentes e ascendentes), por a função do património ser, quanto a eles, mais nítida, como aponta CARVALHO FERNANDES. Assim, é reservada a tais sucessíveis, uma parte dos bens do autor da sucessão – legítima, quota legitimária ou quota indisponível.