As sociedades multiculturais contemporâneas conhecem um novo tipo de conflitos normativos que relevam da diversidade cultural. Desses conflitos emergem os crimes culturalmente motivados que colocam à praxis judiciária difíceis questões dos pontos de vista dogmático e metodológico. Os princípios da igualdade, da culpa e do processo equitativo impõem às autoridades judiciárias, em especial ao juiz, a compreensão da motivação cultural que levou o forasteiro à prática do facto e a ponderação desse factor na apreciação da sua responsabilidade penal. A primeira tarefa requer uma hermenêutica intercultural, um labor dialógico de aproximação de horizontes culturalmente distantes, que o comum dos juízes não está em condições de realizar. Os estereótipos e pré-conceitos culturais provocam amiúde erros de projecção que podem inquinar a validade da decisão judicial. Para o evitar é necessário institucionalizar no processo penal mecanismos que dotem o juiz de competências para a efectivação daquele labor. O presente estudo defende que essa institucionalização passa pela vinda ao processo penal de intervenientes pouco habituais.
Descritores: sociedades multiculturais, crimes culturalmente motivados, hermenêutica intercultural, prova cultural (cultural evidence)