A utilização em processo penal da prova obtida pela Autoridade Tributária ao abrigo do dever de colaboração e o direito à não auto-inculpação do contribuinte

(O Acórdão n.º 298/2019 do Tribunal Constitucional )

Resumo: o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 298/2019, de 15 de Maio de 2019, julgou inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspecção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspeccionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo.

Este entendimento do Tribunal Constitucional não deixa, contudo, de levantar algumas questões, desde logo, no que tange aos poderes de investigação criminal que integram a competência dos serviços de inspecção tributária, porquanto, estando os serviços de inspecção investidos destes poderes, deverão os mesmos estar impedidos, no âmbito de um processo de inspecção fiscal, de recolher prova do contribuinte para efeitos de processo penal, pois, o princípio da proibição da auto-inculpação, impede que os serviços de inspecção tributária, no uso dos seus poderes de investigação criminal, possam utilizar princípios e regras do procedimento de inspecção tributária que colidem com os direitos dos arguidos.

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 298/2019, de 15 de Maio de 2019, peca por limitar a proibição de utilização de prova obtida do contribuinte por parte da Autoridade Tributária apenas nos casos em que o procedimento de inspecção tributária corre em simultâneo com o processo penal, deixando fora do seu âmbito de abrangência os casos em que tal prova é obtida antes de instaurado o processo-crime.

Pois, apesar do princípio da não auto-inculpação não seja um princípio absoluto, o qual deve ter em ponderação outros princípios constitucionalmente protegidos, não se lobriga que princípio poderá legitimar a Autoridade Tributária a obstaculizar o direito ao silêncio do contribuinte/arguido, seja antes ou depois de instaurado o processo de inquérito.