1. Introdução
Foi no ano de 1995 que a moralidade e a honra deram lugar à liberdade e autodeterminação sexual para assumirem o papel de bem jurídico protegido pelos crimes sexuais e, daí em diante, denota-se uma progressiva consciencialização comunitária acerca da elevada dignidade penal destes crimes.
Assim, se por um lado se reclama uma maior preocupação e atenção às vítimas destes atos, por outro afirma-se o risco de suspeitos serem frequentemente denunciados e consequentemente estigmatizados de forma irreparável. Porém, questionamo-nos: estará a nossa jurisprudência a ser tão prudente que acabará por fomentar uma cultura de tolerância em relação a estes atos? Poderemos estar seguros de que os nossos tribunais aplicam uma justiça limpa de sexismos? Duvidamos. Nos últimos anos é cada vez mais elevado o número de acórdãos que colocam em causa os direitos das mulheres, atenuando a gravidade de crimes que afetam a sua integridade física e psíquica, a sua liberdade sexual, em suma, a sua dignidade.
No dia 27 de novembro de 2016, o barman e o porteiro de um estabelecimento de diversão noturna mantiveram com uma mulher de 26 anos, que havia ingerido de forma excessiva diversas bebidas alcoólicas, e encontrando-se “(…) sem consciência de si própria e incapaz de dispor da sua vontade (…)”, relações sexuais de cópula vaginal completa, tendo um deles ejaculado. Se os leigos diriam tratar-se de uma situação indubitavelmente grave, já os nossos juízes encontraram uma série de atenuantes, o que nos leva a concluir ter havido uma leitura irrazoável dos factos e um desfecho desequilibrado ou, melhor diríamos, verdadeiramente injusto: a condenação dos arguidos pelo crime previsto e punido pelo artigo 165º do Código Penal em quatro anos e meio de pena de prisão, mas que acabou por ser suspensa na sua execução.