Resumo: o autor analisa a evolução da legislação portuguesa das drogas desde o início dos anos 70, identificando uma orientação completamente alinhada com a ideologia proibicionista triunfante a nível internacional desde 1961, e que se intensificou nas décadas seguintes com a proclamação da “guerra às drogas” e a “tolerância zero”, ideologia essa que impôs a criminalização não só do tráfico como também do consumo de estupefacientes. A Resolução n.º 46/99 do Conselho de Ministros abriu as portas a um modelo distinto, que, não abandonando o interdito relativamente ao tráfico e ao consumo, relegou a punição deste para o domínio do direito contraordenacional, conjugando de forma hábil e eficiente a punição com uma estratégia de redução de danos. Se este modelo cumpriu satisfatoriamente o seu programa relativamente aos toxicodependentes, por outro lado, “escondeu” um problema central: o do abastecimento dos consumidores, que se veem “obrigados” a recorrer ao mercado clandestino, com todos os riscos para a saúde e para a segurança, pessoal e pública. Em resposta a este problema, vai emergindo a nível internacional um novo modelo – o da separação de mercados – que, retomando o “velho” modelo holandês de tolerância para com a cannabis, vai mais longe, legalizando o consumo e a própria comercialização desse estupefaciente, em condições rigorosamente estabelecidas. É um modelo que não pretende “reeducar” os consumidores ou substituir-se-lhes paternalmente nas suas opções de vida, que não demoniza a droga nem estigmatiza os seus utilizadores, mas que, por outro lado, não desconhecendo os efeitos eventualmente danosos da droga, estabelece regras que salvaguardam um consumo inserido socialmente, anulando ou reduzindo ao mínimo (a um mínimo tolerável) os perigos para a saúde individual e pública. É este o modelo que se mostra progressivamente mais próximo no nosso horizonte.
Palavras-chave: tráfico e consumo de substâncias estupefacientes; proibicionismo; ideologia criminalizadora; modelo português de despenalização do consumo; paternalismo estatal; autodeterminação; liberdade e dignidade do consumidor; políticas de redução de danos.