1.1. Sumário do Acórdão.
“I – Com a reforma do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a descrição típica do crime de violência doméstica (autonomizado em relação ao tipo legal de maus-tratos a cônjuge, tal como estava consagrado no artigo 152º, nº 2, do Código Penal) tem uma amplitude muito maior e prevê-se que, para o preenchimento do tipo legal, a inflição de maus tratos pode concretizar-se “de modo reiterado ou não, podendo afirmar-se que, com esta formulação, foi acolhido o entendimento segundo o qual um só ato de ofensas corporais já configura um crime de violência doméstica”.
II – No entanto, se o crime de violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade física, coação, sequestro, etc., e se é distinto o bem jurídico tutelado pela respetiva norma incriminadora, então, para a densificação do conceito de maus tratos não pode servir toda e qualquer ofensa.
III – Um único ato ofensivo só consubstanciará um “mau trato” se se revelar de uma intensidade tal, ao nível do desvalor (quer da ação, quer do resultado), que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido –a saúde física, psíquica ou emocional –pondo em causa a dignidade da pessoa humana.
IV – O facto de o arguido ter atingido a assistente, com um murro, no nariz que ficou “ligeiramente negro de lado” e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta maltratante suscetível de configurar “violência doméstica”. É manifesto que essa conduta do arguido, mesmo tendo em conta que a assistente estava com o filho (então com 9 dias de vida) ao colo, não tem a gravidade bastante para se poder afirmar que, com ele, foi aviltada a dignidade pessoal da recorrente e, portanto, que o seu bem-estar físico e emocional foi, intoleravelmente, lesado.”