- Notas introdutórias
A emergência de orientações privatísticas e o movimento de liberalização da economia a que assistimos na década de 80 do séc. XX tiveram como consequência uma alteração radical do papel do Estado nesse domínio.
Uma das manifestações mais claras da nova configuração do Estado como ente regulador traduziu-se na devolução das tarefas que tradicionalmente lhe estavam confiadas a autoridades administrativas independentes, dotadas de independência e autonomia do poder político. Algumas destas, concentrado em si poderes de regulação (as denominadas entidades reguladoras independentes), concorrem verdadeiramente com o poder legislativo, historicamente confiado a entidades democraticamente eleitas.
Sucede que este fenómeno de deslegalização, ao abrigo do qual se admite que certas matérias possam ser preceituadas por regulamentos emanados por estas entidades, sem que sejam democraticamente eleitas ou sequer sujeitas ao escrutínio público, tem suscitado algumas inquietações. Referimo-nos, designadamente, à eventual falta de legitimidade democrática e à possível configuração de uma desvirtuação ao sistema tradicional da hierarquia da normatividade interna infraconstitucional.
Pretendemos, neste artigo, analisar se a deslegalização a que temos assistido a favor destas autoridades pode refletir um retrocesso no seio das garantias constitucionais, e se, a existirem tais riscos, atentas as especificidades e finalidades que lhes estão atribuídas, a deslegalização será ainda assim justificável. Voltaremos também a nossa atenção para a relação entre os regulamentos emanados por estas entidades e pelo Governo, entidades que partilham o poder regulamentar, analisando se os princípios da reserva e precedência de lei estão postos em causa nesta nova configuração de normação e que tipo de controlo judicial poderá ser exercido.