Houve um tempo em que o juiz foi pensado como sendo um autómato face à Lei. Pretendia-se então cortar com o autoritário e sigiloso processo inquisitório, enterrar a figura sinistra do juiz como inquisidor e parte, do juiz que instruía, acusava e julgava, que investigava, produzia e valorava a prova sem autênticas proibições processuais, todavia súbdito do poder absoluto (ilimitado) e instrumento (longa manus) da defesa do Estado dominado por monarcas déspotas e acima da lei. O julgador pensado apenas como «a boca que pronuncia as palavras da lei» por sagazes iluministas como MONTESQUIEU e BECCARIA, esta sujeição radical, icónica, à Lex, que ia ao ponto de remeter o magistrado judicial para a não interpretação das normas jurídicas e dos seus unívocos textos, de exactíssima precisão, reduzindo-o precisamente à condição de autómato imparcial, significava pois, e antes de mais, o declínio do Absolutismo feudal, dessa soberania legislativa sem partilha e sem dependência que o ideal da Revolução Francesa a seu modo e em múltiplas variações veio depois a banir do universo prático (embora a tirania retorne sempre que possa).