a) O tráfico de pessoas, como fenómeno de cariz comercial ilícito que é, nasce do encontro da oferta com a procura. Do lado da oferta estão pessoas que, em regra, sofrem situações de grande carência económica e de acentuado desequilíbrio social; são as vítimas do tráfico. Do lado da procura estão indivíduos que agindo normalmente de forma organizada e detendo melhor estatuto económico que as vítimas, as reduzem a objectos geradores de lucro; são os traficantes. De forma necessariamente simplista ouso afirmar que, tendencialmente, as vítimas vêm de países ou regiões económica e socialmente mais debilitados e que os clientes ou consumidores finais estão em países ou regiões económica e socialmente mais desenvolvidos.[2] Os intermediários ou traficantes são de um lado e de outro e articulam-se de forma cada vez mais perfeita entre a fase de recrutamento e a de colocação no mercado, à disposição dos consumidores finais. Segundo esta lógica, é frequente que pessoas oriundas de países do leste da Europa, da América latina ou de África, sejam vítimas de exploração sexual ou laboral em países da União Europeia. Como será, concerteza, frequente que pessoas originárias de regiões ou países asiáticos menos desenvolvidos sejam alvo de exploração sexual ou laboral em regiões de maior desenvolvimento como Macau e Hong Kong. O predomínio de indústrias de diversão em Macau agrava especialmente os riscos de exploração sexual de mulheres e crianças provenientes das regiões limítrofes mais deprimidas. No que respeita a Portugal começa a notar-se, com preocupação, a exploração de pessoas vulneráveis em actividades laborais de países próximos (na floricultura holandesa e, mais frequentemente, na viticultura espanhola). Mantém-se, além disso, o fluxo de mulheres brasileiras para exploração sexual em Portugal, tendo vindo a decrescer o de mulheres oriundas de países da Europa de leste.
b) Trata-se de um campo onde são elevadas as cifras negras, isto é, o desconhecimento das situações reais pelas autoridades ou instâncias formais de controlo. Predominantementepelas razões seguintes:
(i) – Porque é grande o grau de opacidade da acção dos agentes do crime, com hierarquia e segmentação funcional adequadas, grande mobilidade no terreno, utilização de línguas menos usuais e acesso a meios de comunicação facilmente descartáveis.
(ii) – Porque as exigências probatórias são elevadas, em função dos pressupostos de violência, ameaça grave, engano ou manobra fraudulenta a que as leis penais tradicionalmente confinavam o tipo de ilícito. Os alargamentos impostos pelo Protocolo Adicional à Convenção de Palermo permitem prognosticar melhor nível de reacção, se vier a revelar-se suficientemente robusta a interpretação dos novos conceitos de “abuso de autoridade” ou de abuso de uma “situação de vulnerabilidade”.
(iii) – Porque é normalmente escassa a colaboração das vítimas, tanto mais importante quanto exigente é a prova daqueles pressupostos. A escassez dessa colaboração advém especialmente do seu apertado controlo pelos traficantes e exploradores em geral, do desconhecimento da língua do país ou região de destino e, até, da desorientação geográfica, do receio de represálias sobre elas próprias ou sobre os respectivos familiares nos países ou regiões de proveniência, do receio de que no seu meio seja conhecida a sua prostituição (quando seja esse o móbil do tráfico) e, também, de acentuado sentimento de desconfiança em relação às polícias e tribunais dos países de destino, trazido já dos países de origem. Sentimento esse que os traficantes e exploradores incansavelmente alimentam e que as vítimas agudizam quando, ainda que com pleno fundamento, vislumbram agentes da autoridade ou, pelo menos, alguém que lhes é sibilinamente apontado como tal, nos locais onde são exploradas, em interacção positiva com os seus exploradores.