Nalguns Estados que já adoptaram os standards do Protocolo consideram-se abrangíveis pelo conceito de “vulnerabilidade”situações como a imigração ilegal, doença, gravidez ou deficiência física ou mental.[3] Em relatório do Conselho da Europa, aprovado pelo seu Comité de Igualdade de Oportunidades para Homens e Mulheres, considera-se que os principais factores determinantes da maior vulnerabilidade das mulheres são a pobreza e a desfavorável situação económica e que estas resultam de não terem acesso a crédito, bens, propriedades ou heranças, nem sequer a formação.[4]
Comentaristas dos arts. 225.º-13 e 225.º-14 do Código Penal francês, que empregam o conceito de abuso da vulnerabilidade da vítima em matéria de condições de trabalho e de alojamento, limitam-se a afirmar que “a vulnerabilidade pode ser definida como o carácter de uma pessoa vulnerável, frágil, que dá ensejo ao abuso” e que a vulnerabilidade bem como a dependência, conduzem à colocação da pessoa por elas afectada em “situação de inferioridade
em relação às demais”, que tendem a tirar disso partido. Consideram que os factores susceptíveis de gerar a vulnerabilidade ou a dependência são extremamente variáveis e que, por isso, o legislador quis utilizar o conceito em branco, deixando campo livre à jurisprudência, a fim de esta poder apreender situações que ele mesmo não tivesse considerado.[5]
Aliás, o Código Penal francês considera repetidas vezes como factores determinantes de “particular vulnerabilidade” da vítima, a idade, a doença, a invalidez, deficiência física ou psíquica ou um estado de gravidez.
Em recente estudo sobre o tema, especialistas suecos consideram também que “pessoas atingidas pela guerra ou desastres naturais, que tenham sido desenraizadas e deslocadas e que se encontrem em graves dificuldades estão, obviamente, mais expostas e marginalizadas. A sua dependência e vulnerabilidade é facilmente explorada em benefício do lucro de outros”.[6] Considero que também integram justificadamente esse conceito de especial vulnerabilidade quer a situação de “incapacidade psíquica” da vítima actualmente acolhida no direito português como elemento objectivo do crime de lenocínio (art. 169.º, 2, c)), quer a situação de “abandono” ou de “extrema necessidade económica” que o Código Penal acolhia como caracterizadora do crime de lenocínio simples no art. 215.º, 1, b), da sua versão originária (de 1982) e que vigorou até à revisão operada pela Lei n.º 65/98.
O Código Penal alemão (art. 233.º) refere-se a “aproveitamento de uma situação de abandono ou necessidade decorrente da permanência num país estrangeiro” e a prática judiciária tem reservado a aplicação da norma a situações extremas de uso de violência física, privação de liberdade de movimentos ou ameaças graves. O Código Penal italiano (art. 600.º) traduz o conceito por “aproveitamento de uma situação de inferioridade física ou mental ou de pobreza”. No Luxemburgo o Código Penal (art. 379.º, bis) refere-se a “aproveitamento de uma situação de particular vulnerabilidade da vítima, tal como a sua situação administrativa ilegal ou precária, a gravidez, a doença ou a deficiência física ou mental”. No Reino Unido entende-se como “abuso de vulnerabilidade” a situação em que a vítima é solicitada ou incitada a exercer uma actividade em razão de uma doença física ou mental ou de uma deficiência de que sofra, bem como da sua juventude ou imaturidade. Nos Estados Unidos da América o “Victimis of Trafficking and Violence Prevention Act” (de 2000) considera que o abuso de vulnerabilidade pode traduzir-se em induzir as pessoas a efectuarem determinado trabalho ou serviço mediante ameaça de dano grave ou restrição física ou, mesmo, do uso abusivo de um procedimento legal, como por exemplo a denúncia perante os serviços de imigração da situação de irregularidade da vítima.