Como declinar a importância da gestação e do parto no desenvolvimento da personalidade, e assim, na formação da vontade de cada mulher? Em nome de que princípio se admitirá que é possível renunciar antes do nascimento da criança, num Estado de Direito Democrático, ao direito a ser mãe e de assumir a responsabilidade materna relativamente a quem se gerou?
Também a minha condição de cidadania não diretamente ditada pela consideração feminista da vida e do Direito me leva a descrer do respeito pelo superior interesse das crianças nascidas por maternidade de substituição. Recordo o verso de uma canção da minha adolescência: «sou filho de muitas mães». Ele anunciava a criatividade de tais filhos. Porém, não vejo que possa fazer-se nos próximos tempos da nossa cultura a mesma leitura promissora do poema relativamente aos filhos nascidos assim. Quem nos garante que não perturba a identidade das crianças terem uma génese nos antípodas da identificada como padrão de normalidade? E quem acredita que uma lei de maternidade de substituição, mesmo que estrita, ou seja, uma lei que pretenda reduzir as possibilidades de recurso à técnica, não gera o efeito inverso, não acicata os fundamentos da permissão, posto que o busílis foi adquirido pelo legislador: a mãe e a gestante podem dissociar-se, o que significa que isso não é só possível, é “normal” para o Direito?
Entendo, contudo, que a descrença na bondade da lei não influencia o essencial da análise que empreendo. Pois à divergência de fundo relativamente à figura da maternidade de substituição acresce, como afirmei, a convicção da inconstitucionalidade do diploma. Pretendo analisá-lo como jurista, professora de Direito que se interpela e a quem os estudantes interpelam sobre o seu articulado.
E a reflexão que trago a lume incide sobre alguns aspetos matriciais:
a) A gestação de substituição na doutrina (II);