1.- O tema dos crimes agravados pelo resultado de “dupla negligência típica”[1] e a sua conexão (ou não) com o princípio da culpa constitui o objecto da nossa reflexão. E por assim ser, cremos pertinente deixar, desde logo, vincadas duas notas introdutórias que constituirão simultaneamente o pano de fundo desta reflexão e o horizonte do qual não nos poderemos afastar. Deste modo, em primeiro lugar, gostaríamos de recordar e assim manter presente, ao longo desta reflexão, que, se alguns de nós continuamos a defender um direito penal como um direito de ultima ratio, um direito penal que pode, e deve, colocar freios a tendências expansionistas, então, certamente, que a punição de uma conduta penalmente relevante cometida a título de negligência deve restringir‑se ao máximo, posto que se trata de um crime não querido pelo agente. Neste enfiamento, recordamos, precisamente, que a teoria geral da infracção penal foi construída sobretudo tendo em vista o crime doloso consumado, apresentando‑se, em consequência, para alguns autores, a tentativa como um delictum imperfectum[2] e a negligência como uma forma de culpa apenas punida a título excepcional, conforme resulta do artigo 13.º do CP português.