Keywords: insolvência; exoneração; pessoas singulares; sobreendividamento
Desde 2004 que o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas apresenta dois modelos insolvenciais para o tratamento da insolvência de pessoas singulares: por um lado, o modelo reeducativo, encarnado no plano de pagamentos; por outro o fresh start, consagrado com a exoneração do passivo restante. Esta última solução tem sido a opção da esmagadora maioria das pessoas singulares insolventes que, desde 2011, superam o número de processos de pessoas coletivas. Todavia, o sistema português tem sido criticado, não só pelo Memorando da Troika assinado entre o Estado Português, o BCE, a Comissão Europeia e o FMI, como pela própria doutrina e jurisprudência, pondo em evidência a necessidade de alteração do regime relativo às pessoas singulares. Aliás, tal exigência constava do referido Memorando, sem que o Governo português tenha adotado quaisquer medidas. Por outro lado, a recomendação da UE de março de 2014, relativa à recuperação e à insolvência, refere também a necessidade de redução do limite temporal de insolvências de pessoas singulares, nomeadamente no que concerne aos períodos de cessão dos rendimentos aos credores.
Nesta sede, verificamos que o regime português da insolvência, que conta já com mais de uma década de vigência, continua a apresentar fragilidades a nível da aplicação das normas, especialmente em dois pontos particulares – por um lado, a interpretação dos requisitos de acesso, que foi inicialmente feita de forma muito rígida pelos tribunais de 1.ª instância, impedindo o acesso à exoneração e, por outro, a concessão dos rendimentos necessários durante o período de cessão aos credores que, normalmente, desvaloriza as verdadeiras necessidades dos insolventes, dando um caráter punitivo, que o legislador não pretendeu atribuir, à insolvência. Este texto visa, pois, analisar brevemente a evolução jurisprudencial dos tribunais superiores na última década.