O nosso tempo é, espantosamente, o da abolição das fronteiras pelo fenómeno da globalização actual e irreversível. Tudo é aqui e agora. A parte integra o todo, numa visão universalizante. Mas também o do reacendimento de velhos problemas e inquietudes: o fundamentalismo religioso e o terrorismo, de mãos dadas; as migrações e os refugiados; o inverno demográfico. E em que, bastas vezes, os argumentos em torno de direitos humanos são gradualmente substituídos por outros que reverenciam a ordem pública.
A Europa parece tardar em reafirmar a sua tradicional cultura identitária, forjada durante séculos, em boa medida, pela epopeia dos descobrimentos portugueses, pioneira da globalização.
As questões religiosas supõem sempre aproximações e diferenças, próprias do novo encontro de civilizações e com amplas implicações jurídico-constitucionais e internacionais. Ou não se tratasse o fenómeno religioso de uma das manifestações de relacionamento social entre os cidadãos. Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL «A religião é uma das dimensões em que a sociedade civil se projecta, enquadrada em igrejas e comunidades de fé. Não admira que os fiéis de cada religião tendam a reflectir os valores e a cultura dessa religião os valores e a cultura dessa religião nas diferentes actividades que empreendem. Porque é difícil, senão impossível, dissociar esse quadro de valores religiosos das pessoas que neles acreditam e que, acreditando, agem em conformidade com esses valores».
Os mais recentes acontecimentos na Europa, com a perpetração de actos de terrorismo em alegado nome da religião, não podem deixar de nos interrogar sobre o multiculturalismo (religioso, mas também cultural) no contexto da vinculatividade ética plasmada no nosso Direito Constitucional e Internacional. Ultima ratio, à luz da concepção de Direitos Humanos a que estamos adstritos, porque o quisemos (artigo 16.º, n.º 2, da Constituição).
Ancorados que estamos no princípio da separação entre o Estado e as Igrejas e na liberdade de consciência, de religião e de culto, traves mestras impostergáveis do nosso regime constitucional, torna-se mister questionar em que medida poderão ser exercidas em Portugal a liberdade religiosa e a identidade cultural. Ou se tal poderá, no limite, comportar uma renúncia, legalmente não consentida, aos princípios estruturantes do nosso próprio Estado, de Direito Democrático.