Anotação aos acórdãos (TEDH) Ferreira Santos Pardal c. Portugal e (TJUE) Ferreira da Silva e Brito

(ou do “grito do Ipiranga” dos lesados por violação do direito da União Europeia no exercício da função jurisdicional)

* Esta anotação é dedicada à magistratura portuguesa que, tenazmente e quase sem apoios, faz avançar o direito da União Europeia e a tutela jurisdicional que dele decorre – e, muito especialmente, a dois dos seus mais ilustres representantes, com os quais muito aprendemos sobre o direito da União in action: João Resende Neiva e António Rodrigues Ribeiro. Bem-haja!

Acórdão (TEDH) Ferreira Santos Pardal c. Portugal
“48. No presente processo, o Tribunal observa que o Supremo Tribunal (de Justiça) adotou uma solução diametralmente oposta a uma jurisprudência interna constante, como havia já feito em decisão de 19 de junho de 2008. (…) O Tribunal considera que estes dois acórdãos não podem ser considerados reversões de jurisprudência fundados numa nova interpretação da lei, uma vez que o Supremo Tribunal (de Justiça) voltou posteriormente à sua jurisprudência constante (…).
49. (…) estas duas interpretações divergentes quanto à admissibilidade de uma ação de responsabilidade civil do Estado por erro judiciário criaram inevitavelmente, tratando-se de uma instância suprema, uma situação de incerteza jurisprudencial suscetível de atentar contra o princípio da segurança jurídica.
(…)
51. O Tribunal conclui que a incerteza jurisprudencial que conduziu à rejeição da ação proposta pelo interessado, à qual acresce, no presente processo, a ausência de um mecanismo tendente a assegurar a coerência das práticas no seio da mais alta jurisdição interna, teve por efeito de privar o requerente da possibilidade de fazer examinar a sua ação de responsabilidade dirigida contra o Estado, então que outras pessoas em situação similar viram esse direito reconhecido. Houve portanto violação do art. 6.º, n.º 1, da Convenção.”

Acórdão (TJUE) Ferreira da Silva e Brito
“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
1) (…)
2) O artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial de direito interno é obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial de interpretação do conceito de «transferência de estabelecimento» na aceção do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2001/23, em circunstâncias, como as do processo principal, marcadas simultaneamente por decisões divergentes de instâncias jurisdicionais inferiores quanto à interpretação desse conceito e por dificuldades de interpretação recorrentes desse conceito nos diferentes Estados-Membros.
3) O direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional que decide em última instância devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exige como condição prévia a revogação da decisão danosa proferida por esse órgão jurisdicional, quando essa revogação se encontra, na prática, excluída.”