Crítica ao pseudo pressuposto da intensidade no tipo legal de violência doméstica

(comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de janeiro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 1354/10.6TDLSB.L1-5)

1.1. Sumário do Acórdão.

“I – Com a reforma do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a descrição típica do crime de violência doméstica (autonomizado em relação ao tipo legal de maus-tratos a cônjuge, tal como estava consagrado no artigo 152º, nº 2, do Código Penal) tem uma amplitude muito maior e prevê-se que, para o preenchimento do tipo legal, a inflição de maus tratos pode concretizar-se “de modo reiterado ou não, podendo afirmar-se que, com esta formulação, foi acolhido o entendimento segundo o qual um só ato de ofensas corporais já configura um crime de violência doméstica”.

II – No entanto, se o crime de violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade física, coação, sequestro, etc., e se é distinto o bem jurídico tutelado pela respetiva norma incriminadora, então, para a densificação do conceito de maus tratos não pode servir toda e qualquer ofensa.

III – Um único ato ofensivo só consubstanciará um “mau trato” se se revelar de uma intensidade tal, ao nível do desvalor (quer da ação, quer do resultado), que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido –a saúde física, psíquica ou emocional –pondo em causa a dignidade da pessoa humana.

IV – O facto de o arguido ter atingido a assistente, com um murro, no nariz que ficou “ligeiramente negro de lado” e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta maltratante suscetível de configurar “violência doméstica”. É manifesto que essa conduta do arguido, mesmo tendo em conta que a assistente estava com o filho (então com 9 dias de vida) ao colo, não tem a gravidade bastante para se poder afirmar que, com ele, foi aviltada a dignidade pessoal da recorrente e, portanto, que o seu bem-estar físico e emocional foi, intoleravelmente, lesado.”