(De novo a) Lei n.º 1-A/2020 – uma terceira leitura (talvez final?)

1. Introdução

Numa das citações mais conhecidas de Karl Marx, “Hegel observa numa das suas obras que todos os factos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Ora, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, já vai na sua terceira incarnação, qual delas a pior, pelo que depois da “tragédia” e da “farsa”, temos agora uma nova recorrência deste diploma legal, que corresponde quase a uma verdadeira “comédia”, convocando mais os Irmãos Marx do que propriamente o filósofo do Século XIX.

Se “O Código Civil [Napoleónico], como já foi dito, é uma Catedral, classificada entre os Monumentos históricos do direito”, esta lei será, essencialmente, uma (má) nota de rodapé da história do direito português, acabando por pouco ajudar na presente situação de pandemia e sendo um exemplo de deficiente legística, quando, em verdade e de novo, bastaria ter ouvido quem trabalha quotidianamente nos tribunais para se ter conseguido um muito melhor (e bem mais útil) diploma legal.

Stendhal, em carta enviada a Balzac, em 1840, referia que, para escrever a futura obra “A Cartuxa de Parma”, “leio, cada manhã, duas ou três páginas do Código Civil, a fim de ser sempre natural: não quero, por meios falsos, fascinar a alma do leitor”, sendo legítimo pensar quão más seriam as obras de Stendhal se o mesmo, imediatamente antes de escrever, lesse grande parte das mais recentes produções legislativas portuguesas (ou, ao invés, o que andará a ler o legislador português para acabar por aprovar esta e outras leis de tão fraca qualidade legislativa).