Facturas falsas, burla tributária e fraude fiscal

(Notas sobre o concurso de normas e a (falta de) unidade do sistema jurídico-penal)

  1. Introdução

Historicamente, o entendimento da doutrina e da jurisprudência sobre os conceitos de concurso de crimes e de concurso de normas em Direito Penal nunca foi totalmente pacífica.

Tratando-se de um tema importante e complexo da Teoria Geral deste ramo do Direito – e assumindo-se, aliás, como um “intrincado capítulo do direito criminal”, como tão bem o apelidou Eduardo Correia – a problemática do concurso levanta, ainda hoje, plúrimas questões sobre as quais importa reflectir.

Em concreto, entendemos que se revela pertinente abordar algumas das questões que se colocam a respeito do concurso entre o tipo legal de falsificação de documentos e os tipos legais de burla tributária e de fraude fiscal, respectivamente.

Sabendo-se que a discussão em torno deste tema assume um elevado interesse prático desde a década de 1980 (altura em que se tornou muito comum a emissão de facturas falsas com o intuito de reduzir a tributação em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ou do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e originar, concomitantemente, um reembolso de Imposto sobre o Valor Acrescentado), importa hoje, mais de três décadas depois, compreender as alterações legislativas, analisar os contributos doutrinais e perceber os desenvolvimentos jurisprudenciais ocorridos desde então.

Começando por deter a nossa atenção nas diversas concepções que, no nosso ordenamento jurídico-penal, fundam a distinção entre o concurso de crimes e o concurso de normas, procuraremos, depois, analisar de forma tão completa quanto possível aqueles desenvolvimentos, examinando de forma crítica as soluções que hoje, entre nós, se encontram consagradas – em particular, a divergência de soluções consagradas no Direito Penal Comum e no Direito Penal Tributário a este respeito.