O recebimento do IVA e o crime de abuso de confiança fiscal

(Uma reflexão sobre o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Abril de 2015)

1 – Enquadramento

O dever tributário de entrega de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) vigora independentemente do efectivo recebimento, sendo na conjuntura actual de crise económica e financeira, cada vez mais frequentes as situações em que os sujeitos passivos efectuam o pagamento do imposto com sacrifício das suas próprias disponibilidades financeiras, não tendo recebido o imposto dos seus clientes, logo não se podendo falar, em bom rigor, de entrega, mas de pagamento de imposto, divergindo a prática do espírito que subjaz ao próprio imposto. Neste caso, o “cobrador de imposto” é responsável no plano estritamente tributário não apenas pelo que recebeu, mas igualmente pelo que se previa que tivesse recebido, mesmo que tal não tenha sucedido. No entanto, no plano penal tributário, sempre pugnámos pelo sancionamento criminal confinado somente às situações de não entrega dolosa de imposto nos cofres do Estado do IVA previamente recebido dos seus clientes, dada a excepcionalidade da privação da liberdade (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República) e sobretudo devido ao princípio da culpabilidade em direito penal (artigo 2.º, n.º 1, do RGIT).

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelos Venerandos Juizes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça em 29 de Abril de 2015 (Proc. n.º 85/2014) veio esclarecer de modo lapidar e muito oportuno que o recebimento efectivo do imposto (IVA) integra o tipo legal de crime constante no artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias Aduaneiras (Crime de Abuso de Confiança Fiscal).

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