Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição

Não me convence o bem-intencionado expediente para minorar os problemas da exploração das mulheres pobres que leva o legislador a admitir a maternidade de substituição gratuita. Recordo uma professora de Direito que observa a propósito: as atividades para as quais se sugere a generosidade e a gratuitidade – seu alter ego – insistem em ser atividades femininas. Creio que lhe assiste toda a razão. Segundo as leis que preconizam a gratuitidade, a mãe de substituição tem de ser generosa, muitíssimo mais do que um banqueiro ou um jogador de futebol.

Ademais, desconheço qualquer paragem em que a gratuitidade tenha invertido, ou caminhe no sentido de inverter, o perfil da gestante de substituição, mulher pobre ou muito pouco diferenciada; desconheço qualquer paragem que convole ou caminhe para convolar a maternidade de substituição humilde ou miserável num mirífico (?) antro do experimentalismo da gestação por parte de mulheres ricas ou profissionalmente sucedidas.

E, mesmo que assim viesse a acontecer, continuaria a entender que é sempre uma afronta à dignidade humana não reconhecer a todas as mulheres que decidam gerar um ser humano o direito de não abdicar da maternidade após o parto. A lei em vigor refere que a gestante de substituição «suporta uma gravidez por conta de outrem». “Suportar” é uma palavra cheia de conotações sofredoras, nada coerente com o entusiasmo legislativo. E a expressão “carregar uma criança”, que entrou insidiosamente no léxico, é, do meu ponto de vista, aviltante. Não “carregamos” crianças: disponibilizamos a nossa humanidade feminina íntegra, e por isso, indeclinavelmente, a nossa vontade, em prol da vida que aí vem. Experimentamos assim mais uma dimensão da nossa própria vida; e crescemos como seres humanos por isso e em função disso. Escreveu Hannah Arendt que o nascimento de um ser humano para a polis – que depende necessariamente da sua vinda ao mundo – é condição da liberdade. E escreveu Sophia de Mello Breyner que também através dos filhos descobrem as mulheres que a sua causa é sobretudo a causa da humanidade.